Checagem de fatos: o que Trump disse na ONU que não corresponde à realidade

Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP

O discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira (23), foi marcado por afirmações polêmicas e diversas distorções de fatos. Em tom combativo, Trump criticou políticas ambientais, a ONU, o reconhecimento do Estado Palestino e exaltou seu papel em conflitos internacionais, mas muitas de suas declarações foram classificadas como falsas ou enganosas.

Um dos principais pontos do discurso foi a questão climática. Trump chamou as políticas de combate às mudanças climáticas de “a maior farsa já perpetrada no mundo”, atacando previsões e relatórios da ONU. A afirmação contraria o consenso científico global, que aponta com clareza que o aquecimento global é real, causado pela atividade humana e já traz consequências graves. Estudos de organismos como a Agência Internacional de Energia (IEA) e a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) mostram ainda que a expansão da geração elétrica no mundo vem ocorrendo sobretudo a partir de fontes renováveis, muitas vezes mais baratas que os combustíveis fósseis — o oposto do que Trump sugeriu em seu discurso.

Outro exagero ocorreu quando Trump declarou ter “terminado sete guerras que ninguém achava possível acabar”. Embora seu governo tenha buscado mediações em alguns conflitos, relatórios independentes mostram que muitos desses embates continuam ativos, com mortos, deslocados e tensões persistentes. A retórica de vitória total ignora a complexidade das disputas regionais e o fato de que a paz definitiva ainda está distante em diversas áreas citadas por ele.

No tema da imigração, Trump repetiu o discurso alarmista de que políticas migratórias liberais estariam “destruindo países” e associou isso à adoção de energia verde na Europa. Entretanto, não há evidências de que fluxos migratórios causem a ruína de nações. Pelo contrário, a migração é vista por muitos analistas como fator de dinamismo econômico e social. Sobre energia, estudos indicam que, em boa parte da Europa, as fontes renováveis já se consolidaram como alternativas viáveis, reduzindo dependência de fósseis e fortalecendo a segurança energética.

Trump também reagiu à crescente pressão internacional pelo reconhecimento do Estado Palestino, dizendo que tal medida seria um “prêmio para terroristas do Hamas”. 150 países já reconhecem oficialmente a Palestina, e a sua maior parte defende a solução de dois Estados como caminho para reduzir a violência. Associar automaticamente o reconhecimento ao fortalecimento do Hamas é uma simplificação política que não corresponde ao debate diplomático mais amplo.

Ao longo de sua fala, o presidente norte-americano acusou a ONU de ser uma instituição ineficaz, dedicada a discursos e burocracia em vez de ação concreta. Embora críticas à lentidão e à complexidade da organização sejam frequentes, a narrativa de total inutilidade omite o papel da ONU em mediações, missões de paz e ajuda humanitária.

O discurso de Donald Trump também trouxe uma série de afirmações econômicas que, quando confrontadas com dados oficiais, revelam exageros e distorções. O ex-presidente afirmou que a inflação teria sido “derrotada” nos Estados Unidos e que os custos de energia, alimentos, combustíveis e financiamentos imobiliários estariam em queda acentuada. Os números oficiais, porém, mostram um quadro mais moderado: o índice de preços ao consumidor (CPI) registrou 2,9% em agosto de 2025, enquanto a inflação subjacente, que exclui energia e alimentos, ficou em 3,1% no mesmo período.

Trump também descreveu uma “era dourada” da economia norte-americana, associando sua gestão a um crescimento extraordinário. De fato, o PIB real cresceu 3,3% no segundo trimestre de 2025, segundo o Bureau of Economic Analysis, um rebote expressivo após uma contração no primeiro trimestre. O resultado reforça a retomada econômica, mas não sustenta sozinho a narrativa de prosperidade sem precedentes.

Um dos pontos mais controversos do discurso foi a cifra de US$ 17 trilhões em investimentos que Trump disse ter “assegurado” e já estariam sendo pagos. Investigações independentes revelam que grande parte desses números decorre de anúncios repetidos, promessas condicionais ou projetos ainda em fase de intenção, sem execução garantida. Ao apresentar esses valores como resultados concretos, o ex-presidente infla artificialmente a percepção de conquistas. Na prática, os montantes efetivamente realizados são muito menores.

Trump ainda citou recordes sucessivos na bolsa de valores para sustentar seu argumento de um “triunfo econômico”. É fato que índices como o S&P 500 e o Nasdaq atingiram máximas em 2025, impulsionados pelo setor de tecnologia e pela expectativa de cortes de juros. Porém, a afirmação de dezenas de recordes sem detalhamento estatístico mascara a natureza episódica desses picos, que não podem ser interpretados isoladamente como prova de estabilidade ou crescimento sustentado.

Ao tratar da política monetária, Trump também sugeriu que os cortes de juros já haviam resolvido os principais problemas da inflação. O Federal Reserve, de fato, iniciou reduções na taxa básica ao longo de 2025, mas autoridades monetárias e organismos internacionais como a OCDE continuam alertando que a inflação permanece acima da meta em horizontes mais longos. Ou seja, o alívio existe, mas não representa o fim da pressão inflacionária.

O balanço do discurso mostra que Trump usou a tribuna da ONU para reforçar suas bandeiras políticas, apostando em uma retórica forte para sua base doméstica. No entanto, a checagem de fatos revela que grande parte das afirmações não resiste à análise de dados concretos. A fala do presidente norte-americano pode agradar a seus apoiadores, mas é vista pela comunidade internacional como um misto de exageros, meias-verdades e ataques retóricos que pouco contribuem para o debate global.

Lucas Allabi: Jornalista em formação pela PUC-SP e apaixonado pelo Sul Global. Escreve principalmente sobre política e economia. Instagram: @lu.allab
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