EUA desafiam a soberania do judiciário brasileiro

Washington alega proteger a democracia, mas críticos enxergam pressão política para moldar o judiciário brasileiro a interesses externos / Reprodução

O Brasil reforça sua soberania judicial, enquanto a medida americana acende debates sobre ingerência e respeito à Constituição


Em mais um episódio vergonhoso da longa história de ingerência norte-americana nos assuntos internos da América Latina, o governo dos Estados Unidos anunciou, em 22 de setembro de 2025, a revogação dos vistos de viagem do procurador-geral do Brasil, Jorge Messias, e de cinco outras autoridades judiciais brasileiras. A medida, tomada sob o pretexto de defender “liberdades democráticas”, é, na verdade, um ato de agressão diplomática sem precedentes contra a soberania jurídica de um país que, apesar de suas contradições, vem resistindo com firmeza aos ditames do império.

Não se trata de uma simples restrição burocrática. Trata-se de uma intervenção direta — e deliberada — no funcionamento independente do Poder Judiciário brasileiro. Ao punir juízes, procuradores e assessores por terem atuado em processos relacionados à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, os Estados Unidos não estão defendendo a democracia; estão tentando impor sua própria versão ideológica do que deve ser considerado “justo” ou “legítimo” no Brasil. E essa versão, como sempre, serve aos interesses geopolíticos de Washington, não aos da população brasileira.

A farsa da “caça às bruxas”

A justificativa apresentada por aliados de Donald Trump — de que a condenação de Bolsonaro seria fruto de uma “caça às bruxas política” — é tão cínica quanto vazia. Ignora-se, convenientemente, que as acusações contra o ex-presidente não surgiram do nada. Elas se baseiam em provas documentais, testemunhais e periciais robustas, reunidas ao longo de investigações sobre a tentativa de subversão da ordem democrática após sua derrota nas eleições de 2022. Provas que incluem gravações, mensagens, reuniões secretas e até a invasão institucional promovida por seus apoiadores em 8 de janeiro de 2023.

Mas, para Washington, a verdade importa menos do que a conveniência. Bolsonaro, durante seu governo, foi um aliado obediente: abriu as portas para bases militares estadunidenses, facilitou a exploração de recursos naturais por corporações estrangeiras, atacou movimentos sociais e indígenas, e alinhou-se cegamente à agenda de Trump no plano internacional. Sua condenação, portanto, não é apenas um revés político — é um desafio simbólico à capacidade dos EUA de moldar a política latino-americana à sua imagem e semelhança.

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Daí a reação desproporcional: não apenas o ministro Alexandre de Moraes já havia sido sancionado em julho, mas agora a lista se amplia para incluir figuras centrais do Ministério Público e do Judiciário. É uma tentativa clara de intimidação. O recado é explícito: “Se julgarem nossos aliados, perderão o direito de entrar em nosso território”. Trata-se de uma lógica colonial, onde a legitimidade das instituições nacionais é subordinada ao aval de Washington.

A soberania judicial como pilar da democracia

O Brasil, historicamente, sofreu com a interferência externa em seus processos políticos — do golpe de 1964, apoiado pela CIA, às pressões econômicas durante governos progressistas. Agora, no século XXI, a ingerência assume novas formas: sanções financeiras, bloqueios de vistos, campanhas de deslegitimação midiática. Mas o alvo permanece o mesmo: impedir que o país exerça plenamente sua autonomia.

A atuação do Judiciário brasileiro, especialmente nos últimos anos, tem sido crucial para conter os avanços autoritários e proteger a integridade do processo eleitoral. Longe de ser “parcial”, como alegam os porta-vozes do trumpismo, o Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público têm cumprido seu papel constitucional em um contexto de crise democrática sem precedentes. Defender a democracia não é perseguir adversários — é impedir que golpistas usem a força ou a fraude para se manter no poder.

Revogar vistos de juízes e procuradores por cumprirem suas funções é um atentado não apenas contra o Brasil, mas contra o próprio princípio da separação de poderes. É dizer, de forma explícita, que a justiça de um país só é legítima se não incomodar os interesses estratégicos dos EUA. É transformar o direito internacional em instrumento de vingança ideológica.

A esquerda e a defesa intransigente da soberania nacional

É fundamental que a esquerda brasileira — e latino-americana — reaja com clareza e firmeza a essa escalada. Não se trata de defender cegamente todas as decisões do Judiciário, mas de repudiar qualquer tentativa externa de interferir em processos internos. A soberania nacional não é um conceito abstrato; é a condição mínima para que um povo possa decidir seu próprio destino, sem tutela imperial.

O governo Lula, embora tenha buscado manter relações diplomáticas com Washington, não pode se calar diante dessa afronta. A revogação de vistos de autoridades judiciais é um precedente perigoso. Se aceito sem resposta, abre caminho para novas ingerências — nas eleições, nas políticas ambientais, na economia, na segurança. Hoje são juízes; amanhã poderão ser ministros, parlamentares, líderes indígenas ou sindicais.

É hora de reforçar alianças com países do Sul Global que também enfrentam pressões semelhantes — China, África do Sul, Argentina, Venezuela, entre outros — e de promover uma agenda multilateral baseada no respeito mútuo, não na subordinação. É hora, também, de repensar a dependência do Brasil em relação ao sistema financeiro e diplomático controlado pelos EUA, buscando mecanismos alternativos de cooperação e justiça internacional.

Conclusão: democracia não se exporta com sanções

Os Estados Unidos gostam de se apresentar como guardiões da democracia, mas sua história recente — do Iraque ao Afeganistão, da Nicarágua ao Brasil — mostra o oposto. A democracia não se impõe com sanções, vistos revogados ou ameaças veladas. Ela se constrói com participação popular, justiça social, respeito às instituições e, acima de tudo, soberania.

A condenação de Bolsonaro não é o fim da democracia brasileira — é um passo necessário para sua consolidação. E a reação furiosa de Trump e seus aliados não é defesa da liberdade, mas lamento pela perda de um fantoche.

Que fique claro: o Brasil não é quintal de ninguém. Seus juízes julgarão com base na Constituição, não nas ordens de Washington. E sua soberania — judicial, política, econômica e cultural — será defendida por todos aqueles que acreditam que os povos têm o direito inalienável de decidir seu próprio futuro, longe da sombra do império.

Com informações de Reuters*

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