Por que o mundo deveria olhar para Pequim com admiração

Dong Yu revela como os planos quinquenais unem crescimento, renda familiar e estabilidade, mesmo diante de crises globais e desafios internos / Reprodução

Por um observador comprometido com a justiça social, a soberania dos povos e a construção de alternativas ao caos neoliberal


Enquanto o Ocidente se debate entre recessões cíclicas, desigualdades galopantes e a incapacidade crônica de planejar além do próximo ciclo eleitoral, a China segue construindo, com método e determinação, um futuro coletivo. Mais de sete décadas de planejamento quinquenal — um sistema único de governança econômica que combina visão estratégica, adaptação pragmática e compromisso com o bem-estar popular — transformaram um país outrora devastado pela pobreza e pela guerra em uma potência global que hoje inspira nações em busca de estabilidade, crescimento e dignidade.

Não se trata de romantizar um modelo — mas de reconhecer, com honestidade intelectual, que a experiência chinesa oferece lições profundas para um mundo em crise. Lições que vão muito além da economia: falam de soberania, de resistência ao imperialismo econômico, de capacidade de execução e, acima de tudo, de priorização da vida sobre o lucro imediato.

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O planejamento como arma de libertação

Os planos quinquenais chineses não são meros documentos burocráticos. São declarações de guerra contra a incerteza, contra a volatilidade especulativa, contra a lógica do “deixa que o mercado resolva”. Criados em 1953, quando a China ainda era um país agrário e destroçado, esses planos permitiram a construção de uma base industrial, a erradicação da miséria extrema e, mais recentemente, a ascensão de uma classe média de centenas de milhões de pessoas.

Dong Yu, vice-presidente executivo do Instituto Chinês de Planejamento de Desenvolvimento da Universidade Tsinghua — e ex-alto funcionário dos órgãos centrais de planejamento econômico — é uma testemunha viva dessa transformação. Sua trajetória, que passa pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma e pelo coração das decisões econômicas do Partido Comunista, revela um segredo simples, mas revolucionário: a China planeja para as pessoas, não para os acionistas.

Enquanto os governos ocidentais submetem suas políticas às oscilações dos mercados financeiros, a China mantém o leme firme: cinco anos de horizonte, metas claras, indicadores monitoráveis e, acima de tudo, a renda familiar como fio condutor. Não por acaso, o 14º Plano Quinquenal (2021-2025), mesmo diante de pandemias, guerras comerciais e choques globais, mantém a maior parte de seus indicadores no rumo certo. Isso não é sorte. É sistema. É institucionalidade. É soberania.


Da centralização ao mercado — sem entregar o comando

Um dos grandes equívocos ocidentais é enxergar a China como uma economia “estatal” ou “comunista” no sentido rígido da Guerra Fria. A verdade é mais complexa — e mais interessante. A partir de 1978, com a política de “reforma e abertura”, a China não abandonou o planejamento — reinventou-o. O 11º Plano (2006-2010) marcou essa virada simbólica: a palavra “jihua” (plano rígido) deu lugar a “guihua” (planejamento estratégico). Uma mudança sutil, mas profunda: de uma economia administrada a uma economia orientada — onde o Estado define as diretrizes, e o mercado executa dentro de um quadro de prioridades nacionais.

Isso permitiu que a China se tornasse a fábrica do mundo sem abrir mão de seus objetivos sociais. Enquanto o neoliberalismo impôs a desregulamentação selvagem, a China manteve o controle sobre setores estratégicos, investiu maciçamente em infraestrutura, educação e ciência, e usou o planejamento para corrigir desequilíbrios regionais e sociais. Resultado? Mais de 800 milhões de pessoas saíram da pobreza. A maior redução de desigualdade da história da humanidade — em tempo recorde.


O PIB não é um Deus — é um instrumento

No Ocidente, o PIB virou religião. Crescimento a qualquer custo, mesmo que signifique exploração, destruição ambiental ou precarização do trabalho. Na China, Dong Yu nos lembra: o número importa, mas importa mais a mensagem que ele transmite. Um crescimento de 5% não é apenas uma meta técnica — é um sinal de confiança, de estabilidade, de compromisso com o futuro. É uma promessa feita ao trabalhador, ao empresário, ao jovem que se forma na universidade.

E essa promessa é cumprida. Enquanto países capitalistas avançados oscilam entre recessões e “recuperações frágeis”, a China mantém taxas de crescimento consistentes — mesmo em tempos de crise global. Por quê? Porque seu planejamento não é refém de ciclos eleitorais ou de pressões de curto prazo. Porque seus governos provinciais — verdadeiros “polos de crescimento” — são mobilizados para atingir metas nacionais. Porque o Estado não hesita em intervir quando necessário, com políticas anticíclicas, sem se curvar aos dogmas do “ajuste fiscal”.


Desafios reais — e respostas estruturais

Claro, a China não é um paraíso. Enfrenta desafios demográficos, pressão por empregos qualificados, transição industrial, envelhecimento populacional. Mas, diferentemente do Ocidente — que responde a crises com cortes, austeridade e desespero —, a China responde com planejamento de longo prazo.

O 15º Plano Quinquenal, que está sendo desenhado, já aponta para as novas fronteiras: biomedicina, inteligência artificial, energia limpa, manufatura avançada. Não são apostas aleatórias. São investimentos estratégicos, com alocação de recursos desde o início do ciclo, para que o país não apenas acompanhe, mas defina as próximas revoluções tecnológicas.

E aqui reside outra lição crucial: a China não teme o mercado — mas não se submete a ele. Enquanto os EUA e a Europa discutem subsídios pontuais e políticas industriais fragmentadas, a China articula um sistema nacional de inovação, onde governos locais competem para atrair talentos, universidades se alinham às necessidades produtivas, e o Estado garante o financiamento de base. O resultado? Ecossistemas como o da IA, onde a China deixou de ser apenas um “copiador” para se tornar um dos principais polos de inovação do planeta.


Consumo, soberania e o futuro do Capitalismo

Um dos dados mais impressionantes revelados por Dong Yu: em 2024, o volume de vendas no varejo chinês já era 1,6 vez maior que o dos Estados Unidos. Isso não é apenas um indicador econômico — é um marco histórico. A China está se tornando o maior mercado consumidor do mundo sem abrir mão de sua autonomia produtiva. Enquanto o Ocidente depende de importações e cadeias globais frágeis, a China constrói um mercado interno robusto, capaz de sustentar seu crescimento mesmo em tempos de desglobalização.

Mas, aqui, mais uma vez, a diferença ideológica se impõe: para a China, estimular o consumo não significa distribuir vales ou subsídios paliativos. Significa aumentar a renda real das famílias, melhorar os serviços públicos, remover barreiras regulatórias e garantir segurança no emprego. Significa entender que o consumo só é sustentável quando vem acompanhado de justiça social e confiança no futuro.


O modelo que o mundo precisa — e teme

Dong Yu é claro: o que fascina os observadores estrangeiros não é o conteúdo dos planos, mas a capacidade de executá-los. Enquanto democracias ocidentais veem seus programas serem desmontados a cada troca de governo, a China mantém a continuidade estratégica. Projetos de 10, 15 anos são levados adiante. Metas são monitoradas. Ministérios, províncias e empresas são alinhados. Isso não é “autoritarismo” — é eficácia institucional. É a demonstração de que é possível governar para o longo prazo quando se coloca o interesse nacional acima dos interesses privados.

Não por acaso, até os Estados Unidos — berço do neoliberalismo — começam a copiar, timidamente, elementos do modelo chinês: políticas industriais, proteção de setores estratégicos, investimento em tecnologia. Mas, como Yu observa com lucidez, “copiam a forma, mas não o sistema”. Sem um planejamento integrado, sem coordenação entre níveis de governo, sem compromisso com a soberania tecnológica e produtiva, essas tentativas serão sempre incompletas.


Soberania não é isolamento — é poder de escolha

A China não se fecha ao mundo. Pelo contrário: é o maior parceiro comercial de mais de 120 países. Mas sua abertura é estratégica, não submissa. Enquanto o Ocidente impõe sanções, tarifas e bloqueios, a China oferece cooperação — especialmente em tecnologia. Startups estrangeiras encontram na China o que não encontram em seus países: escala, demanda real, cenários de aplicação. É uma relação de complementaridade, não de dependência.

E, diante das pressões externas, o princípio é claro: “focar em suas próprias prioridades”. Tradução: não vamos parar nosso desenvolvimento porque o Ocidente se sente ameaçado. Vamos fortalecer nossa base produtiva, nossa inovação doméstica, nosso mercado interno. Vamos seguir nosso caminho — com ou sem aplausos.


A China como referência para os povos do Sul Global

Para os países do Sul Global — esmagados pela dívida, pela dependência de commodities, pela ingerência das potências ocidentais —, a China oferece mais que um modelo econômico: oferece um exemplo de soberania possível. Mostra que é possível crescer sem se submeter ao FMI. Que é possível industrializar sem virar colônia de multinacionais. Que é possível erradicar a pobreza sem esperar pela caridade dos ricos.

O planejamento quinquenal chinês não é uma relíquia do passado — é uma vantagem competitiva do futuro. É a prova de que, quando o Estado serve ao povo — e não aos mercados —, é possível construir um desenvolvimento humano, sustentável e justo.

O mundo observa — e bem que deveria aprender. Porque, em tempos de caos, incerteza e colapso civilizatório, a China não apenas sobrevive: aponta o caminho.

E esse caminho se chama soberania. Planejamento. Dignidade.


Este artigo é construído com informações de South China Morning Post*, em um tributo àqueles que acreditam que outro mundo é possível — e que, na China, esse mundo já está sendo construído.

Rhyan de Meira: Rhyan de Meira é jornalista, escreve sobre política, economia, é apaixonado por samba e faz a cobertura do carnaval carioca. Instagram: @rhyandemeira
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