Trabalhadores ‘presos no emprego’ ameaçam a economia americana

Os trabalhadores americanos sentem-se presos nos seus empregos. Isso pode estar a custar-lhes dinheiro, e à economia / Reprodução

Especialistas alertam que o apego ao emprego reduz produtividade, inovação e limita a circulação de profissionais no mercado


Uma mudança silenciosa, mas significativa, está ocorrendo no mercado de trabalho dos Estados Unidos: cada vez menos americanos estão trocando de emprego, enquanto as contratações diminuem, criando um cenário de mobilidade limitada e estagnação. O fenômeno, descrito por especialistas como o “abraço ao emprego”, reflete o medo do desconhecido e tem implicações profundas para trabalhadores, empresas e a economia como um todo.

Desde abril de 2024, a economia norte-americana perdeu cerca de 1,2 milhão de empregos, enquanto o ritmo de novas contratações caiu para seu nível mais baixo em uma década — excluindo a retração provocada pela pandemia. A taxa de demissões, tradicionalmente um termômetro da confiança dos trabalhadores, encontra-se em aproximadamente 2%, um índice raramente visto desde 2016.

Leia também:
Estudo descobre 9 hábitos que transformam as crianças
Tecnologia teme sufoco com barreira de Trump ao visto de trabalho
Marcas de luxo estão aproveitando a febre do Labubu

“Tem havido muita ansiedade quanto à direção da economia e do mercado de trabalho”, afirmou James Atkinson, vice-presidente de liderança inovadora da SHRM, grupo profissional voltado à gestão de recursos humanos. “Acredito que isso seja parte do que mantém as pessoas empregadas.”

O “abraço ao emprego”

A consultoria Korn Ferry cunhou o termo “abraço ao trabalho” para descrever a situação. Em essência, os trabalhadores estão priorizando a segurança em vez de arriscar uma mudança, mesmo quando estão insatisfeitos ou poderiam ganhar mais em outra posição.

“Durante a grande onda de demissões de anos atrás, muitas pessoas deixaram seus empregos em busca de aumentos salariais maiores”, disse Matt Bohn, sócio sênior da Korn Ferry. “Hoje, o crescimento salarial esfriou, os prêmios por mudança de emprego diminuíram e muitos trabalhadores temem que seus salários não acompanhem o aumento do custo de vida. Então, estão se agarrando à estabilidade em um momento de incerteza.”

O fenômeno não afeta apenas os funcionários. Para as empresas, manter trabalhadores desmotivados ou presos em funções pelas quais não têm entusiasmo custa bilhões de dólares em produtividade perdida, além de prejudicar a inovação e o desenvolvimento futuro da força de trabalho. A falta de mobilidade laboral também limita a circulação de talentos, reduzindo oportunidades para empresas que buscam se renovar e crescer.

Medo versus oportunidade

O “abraço ao emprego” revela uma tensão central: trabalhadores querem estabilidade financeira e segurança, mas muitas vezes isso vem à custa do crescimento pessoal e profissional. A incerteza econômica — alimentada por preocupações com inflação, política monetária e um cenário global instável — faz com que funcionários permaneçam em funções que já não os satisfazem.

Especialistas alertam que essa postura pode mascarar um desinteresse generalizado, com consequências duradouras. A estagnação de talentos enfraquece a competitividade das empresas e limita a capacidade do mercado de trabalho de se adaptar a novas demandas e tecnologias.

“O custo para a economia vai além dos salários”, afirma Atkinson. “Quando profissionais ficam em empregos apenas por segurança, há um impacto direto na produtividade, na inovação e no desenvolvimento de futuras lideranças.”

Reflexo de um novo mercado de trabalho

O panorama atual contrasta fortemente com anos recentes, quando a alta rotatividade e os aumentos salariais eram sinais de um mercado aquecido. Hoje, a combinação de medo do desemprego, crescimento salarial moderado e aumento do custo de vida faz com que o apego à estabilidade seja mais forte do que nunca.

A mensagem para empresas e líderes de RH é clara: compreender esse comportamento é essencial para engajar e motivar equipes, repensar estratégias de retenção e criar ambientes que estimulem o desenvolvimento, mesmo em tempos de incerteza econômica.

Enquanto isso, os trabalhadores continuam “abraçados” a seus empregos, equilibrando segurança e insatisfação — um fenômeno silencioso, mas que pode moldar o futuro do mercado de trabalho americano por anos.

O “abraço ao emprego” pode esconder desinteresse

A diminuição de demissões e contratações revela que trabalhadores priorizam segurança, mas a economia sofre com a estagnação de talentos / Reprodução

Embora a baixa rotatividade seja frequentemente celebrada pelos empregadores, especialistas alertam que ela pode mascarar um problema silencioso: o desengajamento crescente entre os trabalhadores.

Um estudo publicado em fevereiro no American Journal of Preventive Medicine estimou que o desinteresse dos funcionários custa a uma empresa média de 1.000 pessoas cerca de US$ 5 milhões por ano em perda de produtividade. Na prática, um trabalhador desengajado pode gerar um prejuízo anual médio de US$ 4.000, enquanto um executivo desmotivado pode custar até US$ 20.000.

Além disso, uma pesquisa do LinkedIn realizada no início deste ano mostrou que 58% dos profissionais americanos sentem que suas habilidades são subutilizadas nos cargos que ocupam atualmente.

O problema vai além do indivíduo. Funcionários desinteressados, mesmo cumprindo suas tarefas, acabam transferindo parte da carga de trabalho para colegas, aumentando o estresse e diminuindo a produtividade geral. “Mesmo que as pessoas estejam engajadas e se esforçando mais, talvez precisem ir além para compensar o desinteresse de alguns colegas de equipe”, explicou James Atkinson, da SHRM. “Então, é um problema individual do funcionário, mas também há um efeito cascata em toda a organização.”

Impactos para a economia e para o crescimento

A tendência de permanecer no emprego também representa riscos para o cenário econômico mais amplo. A mobilidade reduzida pode frear o crescimento salarial e levar empresas a adotarem estratégias mais cautelosas. Em alguns setores, o congelamento de contratações substituiu a rotatividade natural, criando um mercado de trabalho que parece estável à primeira vista, mas que carece de dinamismo e inovação.

No entanto, nem todos os trabalhadores são prejudicados. A Geração Z, por exemplo, é adaptável e familiarizada com tecnologias digitais, o que pode colocá-la em vantagem caso as empresas invistam em programas de qualificação e estratégias inteligentes de gestão da força de trabalho, segundo Matt Bohn, da Korn Ferry.

Perspectivas futuras

Especialistas alertam que, a curto prazo, a economia americana pode enfrentar um período prolongado de estagnação se a confiança dos trabalhadores não se recuperar e a mobilidade laboral não retornar. O “abraço ao emprego”, embora ofereça estabilidade, pode estar criando uma força de trabalho menos motivada, menos inovadora e menos produtiva, com impactos que vão além das empresas individuais e atingem toda a economia.

A situação levanta questões sobre como equilibrar segurança e engajamento no trabalho — e sobre como as organizações podem reverter essa tendência antes que o desinteresse se transforme em um problema estrutural.

Com informações de CNBC*

Redação:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.