Mais de 120 mil pessoas ficaram feridas na ofensiva israelense, enquanto a Turquia leva vítimas para tratamento e pressiona pela justiça internacional
Em um mundo onde a linguagem diplomática frequentemente serve para encobrir horrores, a franqueza brutal de um chefe de Estado soa como um alarme. Recep Tayyip Erdogan, Presidente da Turquia, não usou eufemismos ao se dirigir ao mundo, através da Fox News, para descrever a realidade em Gaza: um “genocídio completo”. Esta não é uma retórica inflamada vazia; é a constatação de uma realidade que tribunais internacionais, organizações humanitárias e a consciência coletiva de grande parte da humanidade já reconhecem. A culpa, ele aponta de forma inequívoca, recai sobre Benjamin Netanyahu.
A declaração de Erdogan vai além do discurso político convencional. Ao afirmar que “não creio que possamos explicar de outra forma”, ele desafia a narrativa de uma “guerra contra o terror” que Israel usa para justificar o injustificável. Os números são mais do que estatísticas; são um testemunho de uma catástrofe humanitária: mais de 64.000 palestinos mortos, mais de 120.000 feridos – uma geração dizimada, mutilada e traumatizada. A Turquia, em um ato de solidariedade concreta, tem levado os feridos para tratamento, oferecendo o que muitos outros países, paralisados por alianças políticas, se recusam a fazer: compaixão.
A tentativa de reduzir este conflito a uma narrativa unilateral, onde o Hamas é o único vilão, é desmontada por Erdogan com a lógica dos fatos. “Este não é um crime unilateral”, afirma, questionando com razão: “Como podemos deixar de lado o que Netanyahu fez?” Esta é a pergunta que as potências ocidentais se recusam a responder com honestidade. A desproporção de força é abismal, um exército moderno financiado por bilhões em ajuda militar contra um grupo de resistência. E esse poder, como bem observou o líder turco, está sendo usado “sem piedade” contra crianças, mulheres e idosos. A linguagem das leis de guerra, que distingue entre combatentes e civis, foi reduzida a escombros em Gaza.
A recusa em categorizar o Hamas como uma organização terrorista, preferindo o termo “grupo de resistência”, é um ponto crucial que desafia a hegemonia narrativa do Ocidente. É um reconhecimento de que um povo subjugado por décadas de ocupação, bloqueio e humilhação tem o direito, reconhecido pela Carta das Nações Unidas, à resistência. Isso não significa uma aprovação cega de todos os seus atos, mas uma contextualização essencial que nega a Israel o direito de usar o ataque de 7 de outubro como um cheque em branco para uma carnificina coletiva.
O ceticismo de Erdogan em relação às promessas de paz de líderes como Donald Trump é um banho de realidade. A comparação com a guerra Rússia-Ucrânia é pertinente: conflitos alimentados por interesses geopolíticos complexos raramente têm finais limpos ditados de fora. A paz não virá de declarações grandiosas, mas da pressão internacional real para fazer cumprir o direito humanitário e as resoluções dos tribunais. O Tribunal Penal Internacional, ao emitir mandados de prisão contra Netanyahu e Yoav Gallant por crimes de guerra e contra a humanidade, já começou esse processo. O caso de genocídio no Tribunal Internacional de Justiça é outro marco na luta legal para responsabilizar os perpetradores.
Paralelamente, a abordagem de Erdogan sobre as relações Turquia-EUA revela uma postura pragmática de um líder que, mesmo criticando as alianças que sustentam a máquina de guerra israelense, engaja-se com Washington em questões de interesse nacional, como o programa F-35. Esta dualidade reflete a complexidade da política internacional, onde a denúncia moral e a necessidade de negociação estratégica coexistem. Sua crítica à exclusão da Turquia da União Europeia, apesar de sua longa filiação à OTAN, ecoa o sentimento de um tratamento injusto e seletivo por parte do bloco ocidental.
Em última análise, a intervenção do Presidente turco serve como um espelho para a comunidade internacional. Ela reflete a imagem de um “genocídio completo” que muitos se recusam a ver, mas que não pode mais ser varrido para debaixo do tapete da realpolitik. Enquanto a carnificina continuar, cada dia que passa sem uma ação concreta para detê-la solidifica a cumplicidade moral do mundo. A história, como sempre, julgará não apenas os autores diretos da violência, mas também o silêncio daqueles que tinham o poder, e a voz, para impedi-la.