Agricultores familiares veem mercados se fecharem, dívidas crescerem e geração de fazendas se perder, sob o peso da política de Trump
Enquanto os mercados financeiros celebram recordes de riqueza e o Produto Interno Bruto dos Estados Unidos avança a taxas robustas, um drama silencioso se desenrola nos campos do Meio-Oeste e das Grandes Planícies. Milhares de agricultores familiares — a espinha dorsal histórica da produção agrícola norte-americana — estão à beira do colapso. A safra de soja de 2025, que deveria representar esperança e sustento, transformou-se em um símbolo de ruína econômica, frustração política e abandono institucional. E por trás dessa crise não está apenas o clima extremo ou a volatilidade dos mercados globais: está a política tarifária impulsiva, nacionalista e profundamente ideológica do governo Trump — um legado que continua a envenenar a economia rural do país.
A verdade é cruel: os produtores de soja dos EUA estão sendo sacrificados no altar do protecionismo de fachada e da retórica belicista da extrema direita americana. Enquanto políticos em Washington bradam contra “inimigos externos” e promovem guerras comerciais como se fossem batalhas patrióticas, são os agricultores — muitos deles republicanos tradicionais — que pagam o preço mais alto. Perderam seu principal mercado, a China, não por falhas de competitividade, mas por decisões políticas unilaterais que ignoraram décadas de interdependência comercial construída com esforço, diplomacia e pragmatismo.
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Hoje, a soja norte-americana apodrece em silos porque simplesmente não há compradores. O preço despencou de US$ 12 para US$ 10 por bushel, e mesmo assim muitos produtores se recusam a vender, sabendo que cada grão comercializado representa um prejuízo direto. No Tennessee, as perdas podem chegar a US$ 110 milhões só em 2025.
No Dakota do Norte, agricultores como Mike Appert confessam: “Vamos testemunhar o que acontece quando você tem um monte de grãos e nenhum cliente”. A frase é simples, mas carrega o peso de uma geração inteira de fazendeiros que pode desaparecer — não por incompetência, mas por políticas econômicas deliberadamente hostis ao comércio justo e à cooperação internacional.
A ironia é amarga. Enquanto famílias rurais afundam em dívidas — com falências agrícolas subindo 55% em um ano —, a riqueza das famílias mais abastadas nos EUA atinge um recorde histórico de US$ 176,3 trilhões. O crescimento do PIB beneficia Wall Street, o mercado imobiliário e os detentores de capital, mas ignora por completo os que produzem o alimento que sustenta a nação.
Essa não é apenas uma crise agrícola; é um retrato vívido da desigualdade estrutural que a agenda da extrema direita alimenta: protege corporações e elites financeiras, enquanto abandona os trabalhadores do campo, os pequenos produtores e as comunidades rurais.
E pior: a ajuda governamental é insuficiente, tardia e claramente instrumentalizada. Os pagamentos de emergência do USDA são vistos pelos próprios agricultores como paliativos que não resolvem a raiz do problema. “Eles ignoraram nossas perguntas”, denuncia Chad Johnson, de Dakota do Sul. “Precisamos de ajuda agora — ou acabar com as tarifas, ou chegar a um acordo comercial.” A frustração é generalizada, e não é difícil entender por quê. Enquanto Trump e seus aliados usam a agricultura como moeda de troca em jogos geopolíticos, os produtores veem suas vidas desmoronarem. Caleb Ragland, presidente da Associação Americana de Soja, foi claro em carta ao ex-presidente: “Os produtores de soja dos EUA não podem sobreviver a uma disputa comercial prolongada com nosso maior cliente.”
Aqui reside o cerne da crítica de esquerda: a política tarifária de Trump não foi apenas econômica — foi ideológica. Baseada em uma visão ultranacionalista, xenofóbica e profundamente antidemocrática do comércio global, ela tratou países como a China não como parceiros potenciais, mas como inimigos a serem derrotados.
Ignorou-se que o comércio não é um jogo de soma zero, e que a interdependência entre nações — quando guiada por regras justas e multilaterais — pode gerar prosperidade compartilhada. Em vez disso, optou-se pela confrontação, pelo isolamento e pela ilusão de que “comprar americano” resolveria problemas estruturais da economia.
O resultado? Um setor agrícola desmantelado, jovens deixando o campo, fazendas familiares desaparecendo e uma base produtiva que sustentou gerações agora ameaçada de extinção. Mike Dobesh, de Nebraska, resume com dor: “Se não gerar fluxo de caixa agora, como conseguirei financiamento para o próximo ano?” A pergunta ecoa como um lamento coletivo — e uma acusação implícita contra uma classe política que prefere discursos inflamados a políticas concretas.
Do ponto de vista progressista, a solução não está em mais protecionismo, nem em fechar fronteiras, mas em reconstruir pontes. Em retomar negociações comerciais baseadas no respeito mútuo, em fortalecer instituições multilaterais como a OMC (mesmo com suas falhas), e em priorizar os interesses dos trabalhadores — rurais e urbanos — sobre os caprichos geopolíticos de líderes autoritários. A soberania econômica não se constrói com muros tarifários, mas com justiça social, cooperação internacional e políticas públicas que protejam os mais vulneráveis.
A crise da soja é, portanto, um microcosmo da falência moral e prática da extrema direita americana. Ela mostra que, quando a política se subordina ao nacionalismo agressivo e à lógica do confronto permanente, são sempre os de baixo que sofrem. Enquanto isso, os verdadeiros beneficiários — grandes corporações, especuladores financeiros e elites políticas — seguem intocáveis, celebrando “vitórias” que só existem nos holofotes da propaganda.
Chegou a hora de dizer basta. Basta de sacrificar agricultores em nome de uma ideologia que não os representa. Basta de tarifas que empobrecem o campo enquanto enriquecem o capital. E basta de uma política externa que confunde bravata com estratégia.
A esquerda deve levantar a voz não apenas em defesa dos direitos urbanos, mas também daqueles que, no silêncio dos campos, continuam alimentando uma nação que os esqueceu. A soberania alimentar, a justiça climática e a dignidade do trabalho rural exigem nada menos do que uma ruptura com o legado destrutivo de Trump — e com a visão de mundo que o produziu.