Netanyahu promete seguir devastando Gaza

O primeiro-ministro israelense chamou de “vergonhoso” o reconhecimento da Palestina, enquanto a ofensiva em Gaza agrava a tragédia humanitária / Reprodução

A comunidade internacional respondeu com protestos, enquanto famílias de reféns em Israel acusam o premiê de sacrificar vidas pela própria sobrevivência política


Na sexta-feira (27), Benjamin Netanyahu subiu ao púlpito da Assembleia Geral das Nações Unidas diante de uma plenária esvaziada, marcada por protestos silenciosos e saídas em massa de delegações. O gesto foi mais do que simbólico: refletiu o crescente isolamento diplomático de Israel sob sua liderança — um isolamento não apenas político, mas moral. Enquanto o mundo assiste, horrorizado, ao colapso humanitário em Gaza, Netanyahu escolheu reafirmar sua postura intransigente, prometendo “terminar o trabalho” contra o Hamas, mesmo que isso signifique prolongar o sofrimento de centenas de milhares de civis palestinos inocentes.

Seu discurso foi duro, calculado e profundamente desconectado da realidade sobre o terreno. Enquanto falava de “proteger seu povo”, tropas israelenses intensificavam bombardeios na Cidade de Gaza, empurrando mais famílias para o deslocamento forçado, cortando acesso a água, alimentos e cuidados médicos, e transformando um dos territórios mais densamente povoados do planeta em escombros. Segundo relatos de organizações humanitárias, a situação em Gaza já ultrapassou os limites do suportável: hospitais sem eletricidade, crianças morrendo de fome, corpos sem sepultura. E, no entanto, Netanyahu não ofereceu qualquer sinal de abertura para um cessar-fogo humanitário duradouro, muito menos para negociações políticas que possam levar à paz.

Leia também:
Relatoria da anistia golpista cai nas mãos de Paulinho da Força
Urgência para o projeto de anistia é aprovada na Câmara; entenda
A ‘PEC da Blindagem’ e o golpe parlamentar contra a democracia

Pelo contrário: classificou como “vergonhosa” a decisão de dezenas de países de reconhecer formalmente o Estado da Palestina — um passo que, longe de “encorajar o terrorismo”, como afirmou, representa um esforço tardio, mas necessário, para resgatar a solução de dois Estados do esquecimento. Esse reconhecimento não é um ato hostil contra Israel; é um chamado à responsabilidade histórica. A ocupação da Cisjordânia, o bloqueio de Gaza e a expansão contínua dos assentamentos israelenses já violam sistematicamente o direito internacional há décadas. O reconhecimento da Palestina é, antes de tudo, um reconhecimento da dignidade de um povo que há 75 anos vive sob regime de exceção.

Netanyahu, no entanto, parece mais preocupado em manter sua base política do que em proteger vidas — incluindo as dos próprios reféns israelenses. Enquanto dirigia palavras emocionadas às famílias dos sequestrados, seu governo rejeita propostas concretas de trégua que poderiam facilitar sua libertação. Dentro de Israel, cresce a indignação entre os parentes dos reféns, que acusam o primeiro-ministro de sacrificar vidas humanas em nome de uma retórica bélica que serve mais à sua sobrevivência política do que à segurança nacional. Sua promessa de que “Israel irá caçar” os combatentes do Hamas soa como um eco perigoso de uma lógica de guerra total — uma lógica que não distingue entre combatentes e civis, entre alvos militares e escolas, hospitais e campos de refugiados.

Crianças palestinas fogem para o sul na quinta-feira, em meio aos ataques intensificados de Israel na Faixa de Gaza / Ali Jadallah / Anadolu via Getty Images

É nesse contexto que ganha força a acusação feita pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, de que Israel conduz em Gaza “uma guerra de genocídio, destruição, fome e deslocamento”. A expressão pode soar forte, mas não é gratuita. O Tribunal Internacional de Justiça já admitiu a plausibilidade da acusação de genocídio contra Israel — não como veredito, mas como alerta. E mesmo que o Hamas tenha cometido atrocidades em 7 de outubro, como Abbas mesmo condenou, isso não justifica a coletivização da culpa sobre toda uma população civil. A punição coletiva é proibida pelo direito internacional — e, no entanto, é exatamente o que está ocorrendo em Gaza.

O isolamento de Netanyahu é tão profundo que sua própria viagem à ONU foi cercada de precauções extremas: a aeronave oficial teria alterado sua rota para evitar países que poderiam cumprir mandados internacionais contra ele por supostos crimes de guerra. Essa imagem — de um líder evitando o solo de nações que antes o recebiam com tapete vermelho — é um símbolo poderoso do custo de sua política de força bruta.

Curiosamente, até mesmo Donald Trump, historicamente um dos maiores aliados de Israel, emitiu sinais de cautela. Ao apresentar um novo plano de paz de 21 pontos e alertar contra a anexação da Cisjordânia — uma ideia defendida por setores extremistas da coalizão de Netanyahu —, Trump reconheceu, ainda que taticamente, que a ocupação permanente não é sustentável. Seu envolvimento, por mais ambíguo que seja, indica que até os aliados mais próximos começam a perceber os riscos de apoiar indefinidamente uma política que alimenta o ciclo de violência sem oferecer horizonte de paz.

A verdade é que a estratégia de Netanyahu — baseada na eliminação militar do Hamas sem um plano político para o “dia seguinte” — está condenada ao fracasso. O Hamas pode ser enfraquecido, mas enquanto não houver perspectiva de dignidade, autodeterminação e justiça para o povo palestino, novas gerações surgirão dispostas a resistir — por meios violentos ou não. A paz não será construída com bombas, mas com reconhecimento mútuo, com o fim da ocupação e com a aceitação de que os palestinos também têm direito a um Estado soberano.

Netanyahu pode continuar a desafiar a comunidade internacional, a chamar decisões diplomáticas de “vergonhosas” e a prometer “terminar o trabalho”. Mas o mundo já está cansado de guerras sem fim. E o povo de Gaza — esmagado, faminto, esquecido — merece mais do que discursos inflamados. Merece esperança. Merece vida. E isso só será possível quando líderes como Netanyahu entenderem que a segurança de Israel não se constrói sobre os escombros da Palestina, mas ao lado dela.

Com informações de NBC News*

Redação:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.