Mudanças na supervisão reforçam a política pró-negócios do governo Trump, priorizando proteção mínima ao investidor e expansão da atividade econômica
O presidente da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC), Paul Atkins, nomeado por Donald Trump na primavera, revelou nesta semana uma mudança significativa na abordagem da agência que supervisiona Wall Street. Em um artigo de opinião publicado no Financial Times, Atkins prometeu reduzir a intervenção regulatória e acelerar a implementação da proposta do governo Trump de eliminar os relatórios corporativos trimestrais, substituindo-os possivelmente por relatórios semestrais.
“Atkins defende que o governo deve fornecer a dose mínima eficaz de regulamentação necessária para proteger os investidores e, ao mesmo tempo, permitir que as empresas prosperem”, escreveu ele. A declaração marca um afastamento claro da política de supervisão mais ampla e rigorosa adotada por seu antecessor, Gary Gensler, e indica uma nova era de flexibilização para as empresas americanas.
Leia também:
Conheça Stephen Miller, a ‘mão do rei’ de Donald Trump
Socialistas cercam Macron e ameaçam derrubar novo premiê
A esquerda e a política como espetáculo
Redução do excesso regulatório
O regulador também criticou diretamente a abordagem europeia, particularmente regras climáticas e de sustentabilidade que, segundo ele, têm um caráter “ideológico”. Atkins alertou para os riscos das exigências de divulgação impostas por diretrizes como a Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa e a Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa, que obrigam empresas a relatar informações socialmente significativas, mas que nem sempre possuem relevância financeira.
“Essas exigências correm o risco de impor custos que recaem sobre investidores e clientes americanos, ao mesmo tempo em que contribuem pouco para aprimorar as informações que norteiam as decisões de capital”, escreveu Atkins. Em sua visão, políticas regulatórias distorcidas podem gerar obstáculos desnecessários, prejudicando tanto o mercado quanto os investidores.
Uma SEC mais favorável aos negócios
Entre as mudanças mais notáveis sob a liderança de Atkins está a abordagem mais flexível em relação ao setor de criptomoedas, um contraste nítido com a postura agressiva de Gensler. A promessa de reduzir as exigências de relatórios para empresas listadas reforça a ideia de uma agência mais branda, focada em proteger os investidores sem sufocar a atividade econômica.
“Atualmente, estou comprometido em garantir que, nos EUA, a SEC priorize o bem-estar dos investidores acima dos desejos de ideólogos”, destacou Atkins. Ele reforçou ainda que a regulação deve ser mínima, eficaz e desprovida de motivações políticas ou modismos que não contribuam para a saúde financeira do mercado.
Aviso à Europa
Atkins também aproveitou para lançar uma crítica às práticas regulatórias europeias, sugerindo que a União Europeia deveria reduzir os encargos desnecessários para atrair mais listagens e investimentos. “Se a Europa quiser promover seus mercados de capitais, deve se concentrar em reduzir os custos com relatórios”, afirmou, reforçando que a abordagem americana será distinta e mais pragmática.
Com essas mudanças, a SEC sinaliza um reposicionamento estratégico: um afrouxamento das regras financeiras, maior liberdade para empresas listadas e foco na eficácia regulatória, em linha com a política pró-negócios do governo Trump. O movimento também indica que a agência pretende evitar excessos ideológicos que possam distorcer a tomada de decisões financeiras no país, consolidando uma postura mais flexível e orientada ao crescimento econômico.
Flexibilização dos relatórios financeiros e críticas à regulamentação climática
A Comissão Europeia não respondeu de imediato a pedidos de comentário sobre a posição da SEC. No entanto, a agência americana já tomou medidas concretas que sinalizam a mudança de postura. Neste ano, a SEC votou para encerrar sua defesa de uma regra que, pela primeira vez, exigiria que as empresas divulgassem informações sobre riscos climáticos — um dos pilares centrais da agenda regulatória de Gary Gensler, contestada em tribunais federais.
“Regras escritas para acionistas que buscam efetuar mudanças sociais ou têm motivos não relacionados à maximização do retorno financeiro de seus investimentos… falham com os investidores”, escreveu Paul Atkins, destacando sua crítica à abordagem que prioriza objetivos sociais ou políticos em detrimento da proteção financeira dos acionistas.
Segundo o presidente da SEC, nos últimos anos, a agência se afastou do precedente e da previsibilidade que sustentam a confiança nos mercados de capitais, rompendo com o mandato estabelecido pelo Congresso há mais de 90 anos. Atkins acusa Gensler de ter adotado uma postura excessivamente agressiva de regulamentação e fiscalização durante o governo Biden, que teria extrapolado o papel tradicional da SEC.
A proposta de fim dos relatórios trimestrais
Atendendo a pedidos de Donald Trump, Atkins reforçou a intenção de revisar regras antigas que exigem que a maioria das empresas públicas americanas divulgue seus resultados financeiros a cada três meses. “É hora de a SEC tirar o dedo da balança e permitir que o mercado dite a frequência ideal de relatórios com base em fatores como o setor da empresa, o tamanho e as expectativas dos investidores”, defendeu.
Grupos de defesa dos investidores, porém, alertam que a medida pode reduzir a transparência, prejudicar investidores menores e comprometer a eficiência que sustenta os mercados de capitais nos EUA. Ainda assim, Atkins sustenta que a flexibilização não é inédita e já é concedida a algumas empresas, citando o exemplo do Reino Unido, onde algumas corporações continuam emitindo relatórios trimestrais mesmo após a adoção do modelo semestral em 2014.
“Dar às empresas a opção de apresentar relatórios semestrais não significa um retrocesso na transparência”, escreveu o presidente da SEC, reforçando que a proposta busca equilibrar o direito dos investidores à informação com a necessidade de reduzir encargos desnecessários para as empresas.
Um reposicionamento estratégico
O movimento da SEC sob Atkins sinaliza uma mudança clara: de uma agência que buscava regular de forma ampla e detalhada, muitas vezes ultrapassando limites legais e ideológicos, para uma postura mais pragmática e favorável ao mercado. A promessa de redução da burocracia, a flexibilização das divulgações financeiras e a crítica às regulamentações europeias “ideológicas” refletem uma tentativa de colocar a agência novamente na linha do que Atkins considera seu mandato original: proteger investidores sem sobrecarregar empresas com exigências que não agregam valor real.
Essa mudança promete redefinir o papel da SEC na era Trump, aproximando a agência de uma filosofia de menor intervenção e maior confiança no mercado, enquanto mantém a retórica de que a proteção dos investidores continua sendo a prioridade.
Com informações de Financial Times*