Socialistas cercam Macron e ameaçam derrubar novo premiê

Sébastien Lecornu é atacado pela esquerda pelos seus planos "irracionais" de redução do défice / AFP

Três semanas após assumir, o novo premiê já enfrenta a ameaça real de ser derrubado por voto de desconfiança no Parlamento francês


O novo primeiro-ministro da França, Sébastien Lecornu, enfrenta uma das piores crises políticas já registradas no início de um mandato. Apenas três semanas depois de ter assumido o cargo, o quarto chefe de governo nomeado por Emmanuel Macron em menos de um ano já vê sua permanência em risco. O motivo: seu plano de redução do déficit público, classificado pela esquerda como “irracional” e “obstinado”.

A tensão se intensificou após Lecornu detalhar, em entrevista ao jornal Le Parisien, suas primeiras diretrizes para o orçamento. O premiê descartou de imediato duas exigências centrais da oposição socialista: a criação de um novo imposto robusto sobre grandes fortunas e a suspensão da polêmica reforma da previdência, que aumentou a idade mínima de aposentadoria para 64 anos e provocou protestos massivos em todo o país.

Leia também:
A esquerda e a política como espetáculo
Rússia expõe fragilidade da Ucrânia após ameaça de Zelensky
Do dedo perdido à democracia encontrada: Lula e a Jornada do Herói

Apesar de tentar sinalizar alguma abertura — como a possibilidade de rever pontos da reforma previdenciária, ampliar os gastos com saúde e aposentadorias e exigir maior contribuição da parcela mais rica da população — as concessões não foram suficientes.

O líder do Partido Socialista, Olivier Faure, reagiu com dureza. Em entrevista à BFMTV nesta segunda-feira, ele cobrou a apresentação integral do projeto orçamentário já para esta sexta-feira e deixou clara a disposição de seu partido em não recuar. “Se nada mudar, o resultado já é conhecido: o governo será derrubado por um voto de desconfiança e provavelmente haverá uma dissolução, para a qual estamos preparados”, afirmou.

O cenário é de extrema fragilidade política. A aliança centrista de Macron não detém maioria no Parlamento, o que torna Lecornu altamente vulnerável a uma moção de censura. Mais delicado ainda: ele sequer chegou a anunciar oficialmente os nomes de seus ministros, evidenciando o nível de instabilidade que ameaça sua gestão antes mesmo de ganhar corpo.

A França assiste, assim, a uma sucessão inédita de quedas de primeiros-ministros. No ano passado, dois chefes de governo não resistiram às pressões em torno de seus planos de gastos, o que representa um ritmo de substituições jamais visto desde a fundação da Quinta República, em 1958 — justamente o regime concebido para assegurar maior estabilidade política.

Enquanto isso, a população observa com apreensão mais uma crise institucional que pode abrir caminho para eleições legislativas antecipadas. O impasse em torno do orçamento, somado ao desgaste da reforma previdenciária e à resistência dos socialistas, coloca o governo Macron em um de seus momentos mais turbulentos desde a reeleição em 2022.

O impasse com os socialistas, que contam com 66 cadeiras na Assembleia Nacional de 577 membros, tem se mostrado um dos maiores desafios para Sébastien Lecornu. O problema, porém, não está apenas nas exigências cada vez mais duras da esquerda. O primeiro-ministro também precisa administrar um dilema político delicado: não pode perder o apoio dos conservadores do Les Républicains (LR), que detêm 49 assentos e hoje compõem uma aliança desconfortável com os centristas de Emmanuel Macron.

Essa equação torna as negociações ainda mais frágeis. Para aprovar o orçamento e evitar ser derrubado, Lecornu precisa que socialistas e republicanos mantenham um mínimo de neutralidade — do contrário, a união entre extrema-direita e extrema-esquerda no voto de desconfiança pode se revelar fatal.

“Ele está caminhando numa corda bamba cada vez mais precária”, avaliou Bruno Cautrès, professor da Sciences Po em Paris. Segundo o especialista, tanto Lecornu quanto os socialistas endureceram suas posições em público, o que deixou o diálogo “imprevisível” e “incoerente”. A probabilidade de sucesso do novo primeiro-ministro, que há poucos dias era de 50%, agora teria caído para apenas 30%.

A proximidade pessoal com Emmanuel Macron também pesa sobre os ombros de Lecornu. Único ministro que acompanhou o presidente de forma contínua desde 2017, ele é visto como um guardião do legado macronista — especialmente das reformas voltadas ao mercado e dos cortes de impostos que marcaram os dois mandatos do chefe de Estado.

Na entrevista ao Le Parisien, Lecornu adiantou que seu projeto orçamentário não traria mudanças radicais, mas apenas pequenos ajustes nas metas de déficit já estabelecidas por seu antecessor, François Bayrou. A previsão atualizada permitiria que o déficit público chegasse a 4,7% do PIB até 2026, levemente acima da meta anterior de 4,6%.

A proposta, entretanto, foi recebida com frieza pela oposição. Para figuras de peso no Partido Socialista, como Jérôme Guedj, a hora é de resistir. “O que conta politicamente para os socialistas é obter concessões reais que demonstrem uma ruptura real com as políticas de Macron”, declarou. Apesar de admitir que não deseja eleições antecipadas, Guedj reforçou que seu partido não abrirá mão de pressionar por mudanças concretas.

Com um Parlamento fragmentado, uma oposição fortalecida e uma sociedade ainda marcada pela rejeição à reforma previdenciária, Lecornu enfrenta dias decisivos. O desfecho desse impasse não definirá apenas o futuro do governo Macron, mas poderá redesenhar o equilíbrio político da França e abrir as portas para mais uma dissolução parlamentar — cenário que paira cada vez mais próximo no horizonte.

Com informações de Financial Times*

Redação:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.