Setor chinês cresceu 7,4% nos primeiros oito meses de 2025, impulsionado por exportações de viagens e serviços de conhecimento
O comércio de serviços da China manteve um desempenho sólido nos primeiros oito meses de 2025, registrando um crescimento de 7,4% em relação ao mesmo período do ano passado. O total de importações e exportações alcançou quase 5,25 trilhões de yuans (US$ 739 bilhões), segundo informou nesta terça-feira o Ministério do Comércio do país.
O aumento foi impulsionado principalmente pelo crescimento das exportações, que avançaram 14,7%, atingindo 2,3 trilhões de yuans, enquanto as importações cresceram de forma mais moderada, 2,3%, totalizando 2,95 trilhões de yuans. O resultado gerou uma redução significativa no déficit comercial de serviços, que caiu 228 bilhões de yuans em comparação com o mesmo período de 2024.
Serviços intensivos em conhecimento e viagens em destaque
Os serviços intensivos em conhecimento se mantiveram como um dos setores mais dinâmicos do comércio chinês, com importações e exportações somando 2,03 trilhões de yuans, um crescimento anual de 6,7%. Esse segmento, que inclui tecnologia da informação, pesquisa, consultoria e serviços profissionais, reflete a transformação gradual da economia chinesa, que vem priorizando atividades de maior valor agregado e inovação.
Outro destaque foi o comércio de serviços de viagens, que alcançou 1,45 trilhão de yuans, com um aumento anual de 8,6%. As exportações de serviços turísticos registraram um crescimento impressionante de 57,6%, indicando que a demanda internacional por pacotes de viagem e serviços relacionados a turismo chinês continua em expansão, especialmente após a retomada das viagens globais nos últimos anos.
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Cenário e perspectivas
O desempenho consistente do comércio de serviços chinês evidencia não apenas a recuperação econômica do país, mas também a crescente capacidade de competir em setores estratégicos globalmente, como tecnologia, educação e turismo. Analistas destacam que o crescimento das exportações de serviços de conhecimento e viagens não apenas fortalece a balança comercial, mas também contribui para o avanço do país em setores de maior valor agregado, reduzindo a dependência de produtos manufaturados tradicionais.
Com a estabilização das importações e a expansão das exportações, o setor de serviços da China mostra resiliência mesmo diante de um ambiente global incerto, marcado por tensões comerciais e flutuações econômicas internacionais. O aumento das receitas e a redução do déficit comercial indicam que o país consegue não apenas manter seu ritmo de crescimento, mas também reforçar sua posição estratégica como exportador de serviços de alto valor agregado.
À medida que a China avança em setores como turismo, educação, tecnologia e serviços financeiros, especialistas acreditam que o comércio de serviços continuará sendo um motor de crescimento econômico e uma ponte essencial para a integração do país na economia global nos próximos anos.
China e o desafio de transferir tecnologia limpa ao Sul Global: avanços, limites e perspectivas de cooperação
Nos últimos anos, a China consolidou sua posição como líder global na produção de tecnologia limpa, elevando recordes em energia solar e eólica, baterias elétricas e veículos elétricos (VEs). Esse crescimento transformou o país em um parceiro estratégico para nações do Sul Global que buscam expandir a geração de energias renováveis e avançar em economias de baixo carbono.
Entre janeiro e dezembro de 2024, quase metade das importações de tecnologias limpas chinesas foi destinada a países em desenvolvimento, totalizando mais de US$ 72 bilhões, com a exceção das baterias, cuja demanda global foi dominada pelos Estados Unidos e União Europeia. Esses produtos são cruciais para ampliar o acesso à eletricidade e impulsionar a infraestrutura de energia renovável, mas muitos governos do Sul Global desejam ir além da simples compra e venda, buscando uma cooperação tecnológica genuína.
A esperança é que a China seja não apenas fornecedora de produtos e serviços, mas também transmissora de conhecimento técnico para os setores produtivos e inovadores locais. No campo diplomático, Beijing já oferece bolsas de estudo, workshops e plataformas de cooperação técnica, com promessas de expansão desses programas na recente reunião da Organização de Cooperação de Xangai em Tianjin. No entanto, a transferência efetiva de tecnologia permanece complexa e, muitas vezes, controversa.
Experiências históricas e limitações atuais
A própria China se beneficiou de trocas de tecnologia no passado, tanto na década de 2010, com a parceria da BMW e da CATL para a produção de baterias elétricas, quanto durante a industrialização acelerada iniciada em 1978. No entanto, especialistas alertam que o Sul Global ainda enfrenta barreiras significativas para receber conhecimento “upstream”, ou seja, o núcleo tecnológico decisivo para os setores de energia limpa.
Segundo Anders Hove, do Instituto de Estudos Energéticos de Oxford, as parcerias estrangeiras na indústria automotiva chinesa evoluíram para mecanismos sofisticados que garantem que empresas estrangeiras participem da produção, mas não necessariamente do conhecimento central. “Não é possível colocar habilidades e conhecimentos em um contêiner. Mesmo que houvesse algum livro didático ou arquivo da Wikipedia que pudesse ser transferido, isso não resolveria o desafio fundamental de recursos humanos que os países em desenvolvimento enfrentam”, explica.
O Sudeste Asiático apresenta exemplos claros dessa dinâmica. Vietnã, Tailândia, Malásia e Indonésia receberam parte da produção chinesa, principalmente para montagem de painéis solares, mas o know-how permanece na China, limitando o impacto real sobre capacidades industriais locais. Mesmo setores estratégicos, como a fabricação de veículos elétricos na Tailândia e a produção de níquel na Indonésia, ainda dependem da expertise chinesa, embora a Indonésia tenha mais poder de barganha devido ao tamanho de seu mercado e ao controle sobre matérias-primas essenciais.
Experiências do Brasil como referência
Na América do Sul, o Brasil desponta como um exemplo de cooperação mais avançada. Empresas chinesas como BYD e Great Wall Motors inauguraram fábricas de veículos elétricos em Camaçari (Bahia) e São Paulo, respectivamente, enquanto a Goldwind montou unidades de turbinas eólicas. Para o país, a transferência de conhecimento tecnológico emergiu como “um dos pilares centrais da agenda bilateral”, segundo João Cumarú, especialista em relações Brasil-China.
Iniciativas de longo prazo, como o Centro Brasil-China de Mudanças Climáticas e Tecnologias Inovadoras, criado em 2009 por universidades de ambos os países, têm promovido intercâmbios acadêmicos e desenvolvimento conjunto em bioenergia, energia solar e eólica, além de transmissão de eletricidade. Projetos no setor agrícola e de combustível de aviação sustentável e o programa de satélites CBERS reforçam a importância da cooperação estruturada para a transferência de tecnologia.
Segundo Cumarú, intercâmbios eficazes exigem apoio governamental sólido, políticas claras sobre propriedade intelectual e incentivos para joint ventures. O financiamento, por meio de instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, também é essencial para que a cooperação saia do papel.
Barreiras e incentivos para o Sul Global
Especialistas apontam que controle de exportações, falta de capacidade operacional e objetivos comerciais das empresas chinesas são obstáculos significativos. Para Jessica Liao, professora da Universidade Estadual da Carolina do Norte, “o incentivo das empresas não é ajudar a economia local, mas resolver o excesso de capacidade de produção interna da China”.
Mesmo assim, há espaço para aprendizado mútuo. Segundo Yixian Sun, pesquisador da Universidade de Bath, a transferência de tecnologia não deve ser um processo unidirecional, mas sim uma coevolução, na qual empresas chinesas e parceiros do Sul Global desenvolvam tecnologias de forma conjunta. Esse modelo pode ampliar a sustentabilidade das iniciativas e fortalecer cadeias de valor locais, apesar dos desafios estruturais e culturais.
Perspectivas e desafios
Enquanto a China mantém sua liderança global em energia limpa, o potencial de transformação para os países do Sul Global depende de políticas robustas, capacidade técnica local e mecanismos de cooperação claros. Os exemplos do Brasil e do Sudeste Asiático mostram que é possível avançar, mas também evidenciam a complexidade de equilibrar interesses comerciais e transferência de conhecimento estratégico.
O desafio, portanto, vai além da exportação de produtos: envolve educação, desenvolvimento de habilidades e criação de um ambiente institucional que permita absorver e adaptar tecnologias limpas, garantindo que a sustentabilidade se transforme em crescimento econômico de longo prazo.
A questão central permanece: a China continuará sendo apenas fornecedora de produtos ou se tornará também parceira na construção do conhecimento que permitirá ao Sul Global liderar a transição para energias renováveis? Até agora, os sinais são mistos, mas as experiências bilaterais e os centros de cooperação apontam para um caminho promissor, embora desafiador, de colaboração tecnológica global.
Com informações de Xinhua e Dialogue*