Em rara aparição na ONU, diplomata da Coreia do Norte reafirma que o programa nuclear é central para segurança e soberania do país
Em uma aparição rara e de grande relevância na Assembleia Geral da ONU, o vice-ministro das Relações Exteriores da Coreia do Norte, Kim Son Gyong, reafirmou nesta segunda-feira que seu país não abrirá mão de seu arsenal nuclear, desafiando as múltiplas pressões internacionais que pedem o desarmamento da península coreana.
Sob os olhares atentos de líderes mundiais reunidos em Nova York, Kim apresentou uma versão mais contida do discurso habitual de Pyongyang, embora tenha ampliado as antigas críticas de seu país contra os exercícios militares conduzidos pelos Estados Unidos, em conjunto com Coreia do Sul e Japão. Segundo ele, essas manobras representam uma “crescente ameaça de agressão” e justificam a manutenção de armas nucleares como elemento essencial para garantir o “equilíbrio de poder” na região. “Nunca abandonaremos essa posição”, enfatizou.
Apesar da firmeza sobre o programa nuclear, o discurso de Kim apresentou um tom mais moderado do que muitos pronunciamentos anteriores do país. Ele criticou — sem citar nomes específicos — “forças hegemônicas” e uma “guerra tarifária indiscriminada”, mas evitou ataques diretos a líderes estrangeiros, incluindo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e não recorreu a insultos pessoais. O resultado foi uma mensagem dura, porém menos beligerante do que o habitual no cenário internacional.
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Kim destacou ainda que o programa nuclear da Coreia do Norte está protegido pela própria constituição do país, reforçando a ideia de que o desenvolvimento de armas atômicas é considerado uma questão de soberania nacional. “Nunca desistiremos da energia nuclear”, afirmou, reafirmando a centralidade dessa política na estratégia de segurança norte-coreana.
Em seu discurso, o diplomata ressaltou que a segurança na Península Coreana enfrenta desafios sem precedentes. Ele afirmou que os exercícios militares conjuntos entre Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão “estão quebrando todos os recordes anteriores em termos de escala, natureza, frequência e escopo”, classificando-os como potenciais preparativos para um ataque. A Coreia do Norte costuma caracterizar esses exercícios como provocativos, justificando a manutenção e ampliação de seu arsenal nuclear.
A presença de Kim na Assembleia Geral reforça a estratégia de Pyongyang de usar fóruns internacionais para legitimar sua posição de força, ao mesmo tempo em que busca manter uma imagem de pragmatismo diplomático. Especialistas observam que, embora o discurso tenha sido menos agressivo que o padrão histórico, a mensagem sobre a indispensabilidade do programa nuclear permanece clara e inegociável para o regime.
Coreia do Sul defende exercícios militares, mas propõe “coexistência pacífica” na península
Enquanto o vice-ministro norte-coreano Kim Son Gyong reafirmava na ONU que seu país não abrirá mão do arsenal nuclear, a Coreia do Sul destacou que os recentes exercícios militares trilaterais com Estados Unidos e Japão são necessários para conter as crescentes ameaças de mísseis e armas nucleares de Pyongyang. Diversas resoluções do Conselho de Segurança da ONU exigem que a Coreia do Norte interrompa o desenvolvimento de armamentos nucleares e mísseis balísticos.
Mesmo defendendo a necessidade dos exercícios, o presidente sul-coreano, Lee Jae Myung, afirmou durante reunião de alto nível na semana passada que seu governo “iniciará uma nova jornada rumo à coexistência pacífica e ao crescimento compartilhado na Península Coreana”. Segundo Lee, “o primeiro passo será restaurar a confiança intercoreana quebrada e mudar para uma postura de respeito mútuo”. Até o momento, Kim Jong Un não respondeu a essa proposta.
A presença de Kim Son Gyong na Assembleia Geral marcou a primeira aparição de um diplomata sênior norte-coreano na ONU desde 2018. Em seu discurso, ele alertou que a organização “não deve se sentir aliviada, nem se congratular, pela ausência da Terceira Guerra Mundial nos últimos 80 anos. Em vez disso, devemos prestar a devida atenção ao fato de que a ameaça induzível persiste e agora está se tornando mais séria, e tomar as medidas cabíveis”.
O discurso ocorre em meio a sinais de interesse renovado em um possível encontro entre Kim Jong Un e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Trump e Kim se reuniram três vezes entre 2018 e 2019, quando Pyongyang já possuía um arsenal nuclear que seu líder considerava essencial para a segurança do país e para a manutenção de sua autoridade. As negociações acabaram fracassando devido às sanções impostas pelos EUA, e desde então Kim evitou diálogos diretos com Washington e Seul.
Desde que retornou ao poder em janeiro, Trump tem reiterado sua disposição de retomar negociações com a Coreia do Norte. Na segunda-feira passada, o líder norte-coreano afirmou guardar “boas lembranças” de Trump, mas ressaltou que os Estados Unidos devem abandonar a exigência de que o Norte entregue suas armas nucleares como condição prévia para qualquer retomada da diplomacia.
O ministro das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Cho Hyun, disse à Associated Press que o presidente Lee solicitou a Trump que atuasse como “pacificador”, usando sua influência para levar Pyongyang a negociações destinadas a reduzir as tensões militares na Península Coreana. Cho acrescentou que Trump “expressou sua disposição de se envolver com a Coreia do Norte novamente”.
Trump deve visitar a Coreia do Sul no próximo mês para participar da Cúpula de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, encontro que alguns analistas veem como uma oportunidade potencial para um novo encontro com Kim. Durante a viagem, ele também deve se encontrar com o presidente chinês, Xi Jinping, reforçando a complexidade geopolítica da região.
Historicamente próximo à China, a Coreia do Norte tem buscado expandir a cooperação com a Rússia nos últimos anos, fornecendo tropas e munições em apoio à guerra russa na Ucrânia. Recentemente, Kim e Xi se reuniram em sua primeira cúpula em mais de seis anos, prometendo apoio mútuo e maior cooperação bilateral. O encontro ocorreu pouco depois da primeira aparição conjunta de Kim, Xi e o líder russo, Vladimir Putin, em um grande desfile militar em Pequim, marcando o fim da Segunda Guerra Mundial.
Em reunião de acompanhamento em Pequim no domingo, os ministros das Relações Exteriores da Coreia do Norte e da China concordaram em aprofundar seus laços bilaterais e resistir ao “hegemonismo”, uma referência velada à oposição aos Estados Unidos. A movimentação reforça o alinhamento estratégico de Pyongyang com seus vizinhos, enquanto a ONU e a comunidade internacional observam atentamente os desdobramentos diplomáticos e militares na península.
Com informações de NBC News*