O que acontece quando o governo dos EUA para?

Entre missões obrigatórias e salários suspensos, a crise expõe o custo humano do bloqueio político em Washington / Reprodução

Departamentos e agências federais divulgaram orientações sobre quais programas permanecerão abertos e quais não permanecerão durante o período de interrupção do financiamento


O governo federal norte-americano entrou em paralisação após o Congresso deixar o Capitólio sem conseguir aprovar o projeto de lei que garantiria a continuidade do financiamento público. A interrupção no orçamento atinge diretamente o funcionamento de agências e departamentos federais, que já divulgaram orientações sobre quais serviços continuarão ativos e quais serão suspensos.

A medida levanta dúvidas urgentes: afinal, o que acontece quando o governo para?

Impacto sobre militares e veteranos

Embora a maior parte dos serviços militares e benefícios a veteranos siga garantida mesmo durante o impasse, há um ponto crítico: os pagamentos. Soldados em serviço ativo, membros da reserva e funcionários civis continuarão exercendo suas funções, mas sem receber salário até que haja um acordo político que libere o orçamento.

Na prática, os militares permanecem obrigados a cumprir missões, mas o governo fica impedido de emitir novas ordens, salvo em casos de emergência — como operações de segurança nacional ou resposta a desastres. Parte dos integrantes da Guarda Nacional, que dependem de verbas federais, pode ter ordens suspensas caso não desempenhem atividades consideradas essenciais.

O Departamento de Assuntos de Veteranos informou que cerca de 97% de sua equipe seguirá trabalhando. Ainda assim, escritórios regionais ficarão fechados e alguns serviços deixarão de ser oferecidos. Entre os cortes, estão a instalação de lápides permanentes em cemitérios militares e a manutenção de espaços. Canais de atendimento, como linhas diretas, e-mails, redes sociais e até a comunicação com a imprensa, também serão afetados.

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E o transporte aéreo?

O espaço aéreo continuará sendo monitorado, mas a situação preocupa. Durante a paralisação, os 13.227 controladores de tráfego aéreo seguem de plantão, embora sem remuneração. Serviços essenciais — como supervisão de aeronaves, motores e segurança operacional — também permanecem.

Entretanto, processos fundamentais para o futuro da aviação estão suspensos. Isso inclui a contratação de novos controladores, treinamentos de campo, inspeções de segurança em instalações e até apoio policial.

O alerta já havia sido feito por uma coalizão de grupos ligados ao setor aéreo, que publicou uma carta nesta semana pedindo ao Congresso que evitasse a paralisação. No documento, as entidades afirmaram que a interrupção do financiamento pode causar um efeito duradouro sobre a Administração Federal de Aviação (FAA), com atrasos que se estenderiam “muito tempo depois da retomada do financiamento”.

A nota reforça ainda que, embora profissionais essenciais sigam trabalhando sem receber, muitos colegas de áreas de apoio foram dispensados. Programas de análise e revisão de incidentes de segurança também estão suspensos, o que aumenta os riscos.

“Enquanto controladores de tráfego aéreo, técnicos e outros profissionais de segurança da aviação excepcionais continuarão a trabalhar sem remuneração, muitos dos funcionários que os apoiam estão em licença remunerada, e os programas que a FAA utiliza para revisar e lidar com eventos de segurança estão suspensos. Para permanecermos líderes mundiais na aviação, precisamos continuar nos esforçando para melhorar a eficiência e mitigar ainda mais os riscos”, escreveram os grupos.

Previdência Social garantida, mas com possíveis atrasos

Para milhões de norte-americanos, uma das maiores preocupações é a Previdência Social. Nesse caso, os pagamentos estão protegidos por lei e não sofrem suspensão. Ou seja, os cheques e depósitos continuarão sendo feitos normalmente.

Porém, a paralisação também atinge a força de trabalho da Administração da Previdência Social. Parte dos funcionários entrará em licença não remunerada, o que pode atrasar a análise e aprovação de novos pedidos de benefícios.

Saúde e pesquisa sob pressão: o que muda no Departamento de Saúde e Serviços Humanos

A paralisação também atinge um dos setores mais sensíveis para a população: a saúde pública. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS, na sigla em inglês) comunicou que, de seus quase 80 mil trabalhadores, mais de 32 mil serão licenciados enquanto durar o impasse no Congresso.

Apesar disso, atividades classificadas como “excepcionais” seguem em funcionamento. Isso inclui respostas emergenciais a pandemias, surtos de gripe, furacões e outras crises que coloquem em risco a vida humana ou a segurança pública. Os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) manterão pesquisas e serviços clínicos essenciais, garantindo continuidade em tratamentos considerados vitais.

No entanto, medidas de longo prazo ficam comprometidas. Contratos de pesquisa e bolsas destinadas a universidades e outras organizações externas estão congelados. O hospital de pesquisa do NIH também não poderá receber novos pacientes — a menos que haja necessidade clínica urgente. Além disso, pedidos feitos via Lei de Liberdade de Informação não serão processados enquanto o orçamento estiver bloqueado.

A FDA em alerta: riscos para a segurança alimentar

A Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) continuará atuando em frentes de risco imediato, como revisão e recolhimento de medicamentos e dispositivos médicos, resposta a surtos de doenças transmitidas por alimentos e fiscalização de produtos importados.

Mas os alertas da agência são preocupantes: sem orçamento pleno, a FDA perde a capacidade de monitorar novos ingredientes usados na alimentação animal. Isso significa que itens básicos da dieta americana — como carne, leite e ovos — podem não passar por verificações adequadas de segurança. Programas de segurança alimentar de longo prazo também estão suspensos.

Outro ponto crítico: a FDA não processará novos pedidos de medicamentos ou dispositivos médicos. A supervisão de produtos potencialmente ineficazes ou inseguros ficará limitada apenas a situações de ameaça iminente à saúde pública.

Educação: empréstimos estudantis mantidos, mas com cortes internos

No campo educacional, o impacto é direto sobre milhões de jovens. O Departamento de Educação informou que continuará liberando Bolsas Pell e Empréstimos Diretos Federais, programas que beneficiam quase 10 milhões de estudantes em 5.400 escolas em todo o país.

Mesmo assim, há restrições: durante a paralisação, os estudantes ainda são obrigados a manter em dia os pagamentos de seus empréstimos. E, segundo memorando do próprio departamento, cerca de 95% dos funcionários que não atuam diretamente na gestão do auxílio estudantil serão licenciados já na primeira semana. A concessão de novas bolsas também ficará suspensa.

CDC: vigilância em tempos de incerteza

No caso dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), a vigilância sobre surtos e emergências sanitárias permanece ativa. A agência garantiu que seguirá monitorando e reagindo a possíveis ameaças à saúde pública.

No entanto, o acesso da população a informações de saúde confiáveis deve ser prejudicado. Relatórios, atualizações de dados e comunicação direta com o público poderão sofrer atrasos significativos, deixando comunidades em todo o país mais vulneráveis a riscos emergentes.

O impacto da paralisação também enfraquece a atuação dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). A agência, que desempenha um papel central na vigilância da saúde pública, informou que não poderá fornecer orientações fundamentais a departamentos de saúde estaduais e locais sobre temas críticos, como prevenção de overdoses de opioides, combate ao HIV e ao diabetes.

Além disso, respostas a dúvidas da população sobre saúde pública e a análise de dados de vigilância de determinadas doenças serão suspensas. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos confirmou que pouco mais de um terço dos funcionários do CDC e da Agência de Registro de Substâncias Tóxicas e Doenças seguirá trabalhando, o que reduz drasticamente a capacidade de resposta em situações emergenciais.

Programas de nutrição para famílias vulneráveis sob ameaça

Outra área que pode sentir os efeitos diretos da paralisação é a assistência alimentar para famílias de baixa renda. De acordo com os planos do Departamento de Agricultura, o Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP), conhecido como vale-refeição, e o Programa Especial de Nutrição Suplementar para Mulheres, Bebês e Crianças (WIC) continuam funcionando — mas com um alerta importante: estão sujeitos à disponibilidade de recursos.

Segundo o governo, fundos de contingência garantem a operação do SNAP durante o mês de outubro. Contudo, a Associação Nacional do WIC fez um alerta preocupante: os recursos atuais podem sustentar o programa por apenas mais uma semana. Caso não haja novo financiamento, milhões de mães e crianças em situação de vulnerabilidade podem ficar sem apoio nutricional.

Parques nacionais: abertos, mas limitados

Para quem planejava visitar parques nacionais, a notícia é agridoce. O Serviço Nacional de Parques informou que áreas ao ar livre, como trilhas, estradas, miradouros e alguns memoriais, permanecerão acessíveis ao público. Banheiros também seguirão disponíveis e o recolhimento de lixo continuará acontecendo.

Mas os serviços de emergência estarão limitados, e espaços que exigem presença de funcionários, como centros de visitantes e monumentos históricos — entre eles o Monumento a Washington —, ficarão fechados.

Smithsonian e Zoológico Nacional: abertos por tempo limitado

Um dos maiores atrativos turísticos de Washington, o complexo de museus Smithsonian e o Zoológico Nacional confirmou que seguirá aberto ao público, mas apenas até o dia 6 de outubro. A decisão é possível graças à utilização de fundos do ano fiscal anterior.

Mesmo com a continuidade das visitas, haverá cortes: no zoológico, por exemplo, os animais seguirão recebendo alimentação e cuidados veterinários, mas as populares câmeras de transmissão ao vivo serão desligadas.

Salários suspensos para funcionários federais — mas não para políticos

Milhares de trabalhadores federais estão entre os mais afetados pelo impasse político. A regra é clara: durante a paralisação, funcionários não recebem salários. Aqueles que desempenham funções consideradas essenciais — como militares, agentes de segurança e profissionais da aviação — precisam continuar trabalhando, mas sem remuneração até a reabertura do governo.

Já os empregados licenciados só voltam às suas funções quando houver acordo, mas, por lei, recebem retroativamente os salários que deixaram de ganhar.

Em contraste, o presidente Donald Trump e os membros do Congresso não sofrem qualquer corte em suas remunerações. Seus vencimentos estão protegidos pela Constituição, o que aumenta ainda mais a indignação de servidores que continuam em atividade sem receber.

Com informações de NBC*

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