Trump e Netanyahu anunciam paz que ainda parece miragem

Hamas analisa os 20 pontos enviados por mediadores e promete resposta, enquanto a Autoridade Palestina pede garantias adicionais / Reprodução

EUA e Israel anunciam plano de 20 pontos para encerrar guerra em Gaza, mas especialistas veem horizonte sombrio para solução de dois Estados


Em meio a meses de violência e destruição na Faixa de Gaza, um novo capítulo surge no cenário diplomático internacional. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciaram em Washington que chegaram a um entendimento em torno de um plano de 20 pontos, elaborado pela Casa Branca, para pôr fim à guerra em curso no território palestino.

Após a reunião na Casa Branca, Trump classificou o acordo como “um dia histórico para a paz”. No entanto, o tom otimista veio acompanhado de um recado duro: segundo o mandatário americano, se o Hamas rejeitar a proposta, Netanyahu contará com apoio dos EUA para “terminar o trabalho de destruir a ameaça do Hamas”, afirmou em coletiva, de acordo com a BBC.

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O que prevê o plano de 20 pontos

Divulgado na segunda-feira, o plano traçado por Washington prevê um conjunto de medidas imediatas e estruturais. Entre os pontos centrais está a promessa de que, dentro de 72 horas após a aceitação por parte de Israel, todos os prisioneiros israelenses sejam libertados — uma condição destacada pela Al Jazeera.

A proposta também prevê a cessação imediata das operações militares e o congelamento das atuais linhas de combate até que seja possível negociar uma retirada gradual. O Hamas, por sua vez, teria que depor as armas, enquanto túneis e fábricas de armamentos seriam destruídos, segundo a BBC.

Outro ponto sensível é a governança de Gaza após o cessar-fogo. O documento sugere a criação de um “comitê palestino tecnocrático e apolítico”, supervisionado por um órgão internacional provisório denominado Conselho da Paz — liderado pelo próprio Trump. O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair foi citado como um dos nomes confirmados nesse conselho, que deve contar ainda com outras lideranças globais.

A Casa Branca garantiu que Israel não ocupará nem anexará Gaza e que nenhum palestino será forçado a deixar a região. O plano também prevê supervisão direta da ONU para coordenar ajuda humanitária emergencial e o envio de uma “força internacional de estabilidade”, possivelmente composta por países muçulmanos da região.

Reações divergentes

Segundo a agência Xinhua, o Hamas recebeu a proposta através de mediadores do Catar e do Egito. Uma delegação do grupo informou que estudará o documento “com sincera intenção” antes de anunciar uma resposta oficial.

Já a Autoridade Palestina, sediada em Ramallah, manifestou receptividade ao plano, demonstrando disposição em “trabalhar com os Estados Unidos, países da região e parceiros para pôr fim à guerra de Gaza por meio de um acordo abrangente”, conforme divulgado pela agência palestina WAFA e citado pela Al Jazeera. O órgão palestino, no entanto, exigiu garantias adicionais: proteção da população local, respeito ao cessar-fogo, segurança para ambas as partes, impedimento da anexação de terras e do deslocamento forçado de palestinos, além da suspensão de medidas unilaterais que violem o direito internacional.

Apoio internacional

A proposta americana também recebeu o respaldo de diversas potências regionais. Em comunicado conjunto, os ministros das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Paquistão, Turquia, Catar e Egito declararam apoio ao plano. No documento, os países reforçaram o compromisso de colaborar com os EUA para viabilizar uma trégua que garanta acesso irrestrito à ajuda humanitária em Gaza, a libertação de reféns, segurança mútua, a retirada completa das forças israelenses, a reconstrução do território devastado e, sobretudo, um caminho que leve a uma solução justa baseada no princípio de dois Estados.

Apesar do tom de otimismo exibido por Washington, analistas alertam que a solução de dois Estados — vista pela comunidade internacional como a única via duradoura para a paz entre israelenses e palestinos — segue distante. A escalada militar, o enfraquecimento das instituições palestinas e a resistência de setores políticos em Israel tornam o horizonte ainda mais sombrio.

Análise: um plano abrangente, mas controverso

Para o professor Liu Zhongmin, do Instituto de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, o plano de 20 pontos proposto pelo governo Trump é resultado de negociações e compromissos forjados à medida que a guerra de Gaza se aproxima de uma possível fase final. Em entrevista ao Global Times, o acadêmico explicou que a iniciativa busca evitar que o conflito se prolongue indefinidamente, equilibrando os interesses estratégicos de Israel com aspectos do projeto de desenvolvimento para Gaza já apresentado anteriormente por Trump.

Segundo Liu, o documento contempla de forma significativa as demandas centrais de Israel: a libertação de reféns, o desarmamento do Hamas e a desmilitarização da Faixa de Gaza. No entanto, lembrou que Tel Aviv ainda mantém como objetivo máximo a eliminação completa do grupo.

O professor também chamou atenção para o modelo de governança proposto no plano. Na sua avaliação, a ideia de um órgão internacional de transição que supervisionaria Gaza lembra a administração de estilo colonial implementada pela Grã-Bretanha durante o Mandato Palestino, no início do século XX. Uma estrutura assim, advertiu Liu, poderia deixar Gaza politicamente isolada por um longo período, levantando questionamentos sobre legitimidade e autonomia.

O silêncio sobre a solução de dois Estados

Outro ponto de crítica destacado por analistas é a ausência explícita da expressão “solução de dois Estados” no texto do plano. O New York Times avaliou que essa omissão tende a gerar frustração entre os palestinos, que podem considerar vaga e distante a possibilidade de independência nacional. O jornal norte-americano lembrou ainda que Netanyahu já declarou diversas vezes que não permitirá a criação de um Estado palestino, o que reforça o ceticismo em torno do futuro da autodeterminação palestina.

Guerra ainda em curso

Apesar das negociações diplomáticas, os combates em Gaza continuam intensos. O parlamento israelense aprovou nesta segunda-feira um pacote adicional de 30,8 bilhões de shekels (cerca de US$ 9,2 bilhões) para financiar despesas relacionadas à guerra, ampliando o teto do déficit público em meio ao prolongamento das operações militares.

No mesmo dia, as Forças de Defesa de Israel (IDF) anunciaram que sua força aérea atingiu mais de 140 alvos na Faixa de Gaza em apenas 24 horas. Segundo comunicado oficial, esses ataques miraram combatentes, prédios e infraestrutura considerados estratégicos pelo Hamas.

Do lado palestino, a agência oficial WAFA informou que 50 pessoas morreram e outras 184 ficaram feridas em consequência das ofensivas israelenses no mesmo período, de acordo com dados divulgados pela Xinhua.

Futuro incerto

Para Liu Zhongmin, mesmo com o novo plano de paz e com o apoio de parte da comunidade internacional à ideia de dois Estados, o cenário permanece desanimador. O especialista lembrou que, durante a mais recente Assembleia Geral da ONU, vários países — incluindo nações ocidentais — reafirmaram reconhecimento à Palestina e manifestaram apoio à criação de um Estado palestino. Ainda assim, o objetivo parece distante.

“O território palestino está cada vez mais fragmentado, com centenas de milhares de moradores de Gaza deslocados como refugiados. A terra, o povo e a soberania da Palestina já sofreram graves danos devido às ações israelenses”, afirmou o professor, ressaltando que a paz duradoura só será possível se houver garantias reais de reconstrução e de autodeterminação para os palestinos.

Enquanto diplomatas buscam consolidar um acordo que Washington celebra como histórico, a realidade no terreno mostra um contraste doloroso: Gaza segue devastada, milhares de famílias estão desabrigadas e o sonho de um Estado palestino continua obscurecido por novos muros e antigas desconfianças.

Com informações de Global Times*

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