Tio Sam sentiu saudades

Apesar do tarifaço imposto por Trump sobre mais da metade dos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, as nossas exportações voltaram a bater um recorde histórico em setembro. As vendas para os Estados Unidos caíram fortemente, quase 30%, mas aumentaram para outros destinos, mais do que compensando a perda do mercado americano.

No acumulado dos últimos 12 meses (outubro de 2024 a setembro de 2025), o Brasil exportou US$ 339,8 bilhões — o equivalente a R$ 1,81 trilhão, mantendo um volume estável em relação ao ano anterior. A corrente de comércio, que é a soma de exportação e importação, atingiu US$ 618,7 bilhões (R$ 3,30 trilhões), um crescimento de 3,7% em relação aos 12 meses anteriores, consolidando o Brasil como uma potência comercial global.

Os números de setembro também são impressionantes. O Brasil exportou US$ 30,5 bilhões, um crescimento de 7,2% em relação a setembro de 2024, e a maior marca já registrada para o mês. A corrente de comércio bateu recorde histórico, chegando a US$ 58,1 bilhões, um aumento de 12,0% sobre setembro de 2024. O saldo comercial ficou em US$ 3,0 bilhões, uma queda de 41,1% em relação a setembro de 2024, mas ainda um resultado sólido e alinhado com a média dos últimos 20 anos para setembro.

Esses dados são do Comexstat, banco de dados online sobre comércio exterior do Brasil do Ministério do Desenvolvimento.

A participação dos Estados Unidos no comércio exterior brasileiro caiu para uma mínima histórica de 8%. Há 20 anos, esse percentual era de quase 20%. Enquanto o mercado americano encolheu, outros destinos cresceram vigorosamente, provando nossa capacidade de adaptação diante das barreiras comerciais agressivas de Donald Trump.

Nesta segunda-feira, 6 de outubro de 2025, o presidente dos Estados Unidos e o presidente Lula realizaram uma videochamada, duas semanas após um encontro aparentemente fortuito na ONU. O tratamento cordial que Trump deu a Lula, tanto na videochamada quanto nas redes sociais e na coletiva na Casa Branca, deve ser visto sob uma ótica comercial. Com saudades de nossos produtos, o Tio Sam não aguentou ficar de mal com o Brasil por muito tempo.

O Brasil é um parceiro estratégico dos Estados Unidos. Os produtos que exportamos são de necessidade básica, como café e carne — justamente aqueles que ficaram de fora da isenção de tarifas. Isso coloca os EUA numa posição delicada, pois dependem dessas importações.

O setor do café ilustra perfeitamente essa dinâmica. Em setembro, a exportação total de café brasileiro atingiu US$ 1,18 bilhão, um recorde histórico. No entanto, a participação dos EUA nessas exportações foi a menor de todos os tempos: apenas 9%. As compras americanas caíram quase 30% em relação a setembro do ano passado, totalizando apenas US$ 105,7 milhões.

Enquanto isso, outros mercados compensaram e cresceram exponencialmente. A Alemanha se tornou a principal compradora de café verde do Brasil, com 20,4% do total — um aumento de 49% nas compras. A Itália vem em segundo lugar, com 10%. Os Estados Unidos caíram para o terceiro lugar. As exportações brasileiras de café para a China cresceram quase 200% em setembro…

O aumento expressivo das importações de café brasileiro por países como México (+139%) e Colômbia (+586%) indica um fenômeno comum e perfeitamente legal no mercado de commodities: a reexportação. Esses países compram nosso café, fazem um blend e revendem para os Estados Unidos, contornando as tarifas e lucrando com a operação.

Entre os principais produtos exportados pelo Brasil em setembro, o petróleo bruto e derivados liderou com US$ 4,5 bilhões, seguido por minérios de ferro (US$ 3,3 bilhões) e soja (US$ 3,3 bilhões). As exportações de carne também tiveram destaque, atingindo US$ 3,1 bilhões, um crescimento de 26% em relação a setembro de 2024. Outros produtos importantes incluem carros, cereais, café e chá, açúcar, aço e celulose, demonstrando a diversificação da pauta exportadora brasileira.

A China consolidou sua posição como principal parceiro comercial do Brasil, com uma corrente de comércio de US$ 14,8 bilhões em setembro, um crescimento de 12% em relação ao mesmo mês de 2024.

Os Estados Unidos aparecem em segundo lugar, com uma corrente de comércio de US$ 6,9 bilhões, uma queda em relação aos US$ 7,0 bilhões de setembro de 2024. Essa redução reflete o fato de que, apesar de o Brasil ter exportado bem menos para os Estados Unidos em setembro de 2025 em relação a setembro de 2024, as importações americanas aumentaram, resultando em uma corrente de comércio relativamente estável.

Singapura, um dos principais hubs comerciais da Ásia, surpreende ao aparecer em terceiro lugar, com US$ 3,3 bilhões, um salto expressivo em relação aos US$ 0,4 bilhão do ano anterior. Esse aumento pode refletir um reencaminhamento de produtos para outros mercados da região.

A relação comercial entre Brasil e Estados Unidos é historicamente equilibrada. Embora os Estados Unidos geralmente tenham um superávit comercial com o Brasil, há meses e períodos em que o Brasil registra superávit com os EUA. Em setembro de 2025, os Estados Unidos registraram um superávit de US$ 1,77 bilhão no comércio bilateral — o maior desde 2005. Isso significa que os americanos venderam mais para o Brasil do que compraram, mas o desequilíbrio é relativamente pequeno considerando o volume total do comércio entre os dois países.

EUA e Brasil são duas economias bastante integradas. Os produtos brasileiros são importantes para milhares de empresas americanas e ajudam a gerar milhões de empregos norte-americanos — e vice-versa. Esse entrelaçamento profundo é justamente o que torna o tarifaço tão irracional em relação aos negócios existentes entre os dois países.

No fim, a estratégia de tarifas não surtiu o efeito desejado — no caso do Brasil, nossos exportadores se adaptaram, encontraram novos destinos ou conseguiram, por vias mais complicadas, acesso ao próprio mercado americano.

A diversificação de compradores provou ser a melhor resposta às barreiras comerciais impostas por Washington. Quem acabou sendo prejudicado foram os consumidores americanos, que estão pagando mais caro por produtos brasileiros essenciais, como café e carnes.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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