O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quinta-feira (9) que o governo buscará novas medidas para reforçar a arrecadação federal após a rejeição, pela Câmara dos Deputados, da Medida Provisória (MP) que previa aumento de receitas. Em entrevista à rádio Piatã, da Bahia, o presidente anunciou que pretende discutir alternativas fiscais com foco na tributação de fintechs e instituições financeiras digitais.
“Eu liguei para o Haddad [ministro da Fazenda], para a Gleisi [ministra das Relações Institucionais] e disse: vamos relaxar, não vamos perder o final de semana discutindo o que aconteceu ontem no Congresso Nacional”, afirmou Lula, em referência à derrota do governo. Segundo ele, uma reunião será realizada na próxima semana para definir estratégias que assegurem o pagamento de impostos por empresas do setor financeiro, incluindo bancos digitais e plataformas de investimento.
A medida provisória rejeitada pelo Legislativo era considerada essencial para o equilíbrio das contas públicas e fazia parte do conjunto de ações da equipe econômica para viabilizar o orçamento de 2026, ano eleitoral. A decisão da Câmara representa uma derrota política significativa e pressiona o governo a encontrar novas fontes de receita.
MP rejeitada e impacto nas contas públicas
A rejeição da MP ocorreu na noite de quarta-feira (8), quando 251 deputados votaram pela retirada da pauta, o que levou à perda imediata de validade da proposta. O texto previa ajustes fiscais e mecanismos de limitação de despesas obrigatórias. Com a derrubada da medida, o governo precisará realizar cortes estimados em R$ 35 bilhões nas despesas de 2025 para cumprir o teto de gastos e as metas fiscais estabelecidas.
Analistas políticos afirmam que o resultado foi articulado por setores do Centrão e pela bancada ruralista, que se opuseram ao aumento de tributos e buscaram restringir o espaço fiscal do Executivo. A derrota expõe as dificuldades de articulação do governo no Congresso e deve influenciar a agenda econômica nos próximos meses.
O presidente Lula minimizou o impacto político imediato e indicou que o foco agora será encontrar soluções alternativas. “Vamos discutir outras formas de arrecadar, mas sem sacrificar o trabalhador. O sistema financeiro precisa pagar o que deve”, afirmou.
Foco nas fintechs e tributação digital
Entre as alternativas avaliadas pela equipe econômica está a criação de mecanismos que ampliem a fiscalização sobre fintechs — empresas de tecnologia financeira que oferecem serviços bancários, de crédito e investimento fora do sistema tradicional. A proposta é garantir que essas instituições recolham impostos de maneira equivalente aos bancos convencionais.
Nos últimos anos, o setor financeiro digital cresceu de forma acelerada, movimentando bilhões de reais e atraindo milhões de clientes. O governo avalia que parte desse segmento opera em zonas de menor fiscalização tributária, o que reduz a arrecadação. A Fazenda estuda medidas que ampliem a transparência nas transações e impeçam práticas de elisão fiscal.
De acordo com técnicos da área econômica, o governo deve concentrar esforços na regulamentação das plataformas de pagamento, das carteiras digitais e das operações de crédito entre pessoas físicas realizadas via aplicativos.
Conversa com Donald Trump e relação bilateral
Durante a entrevista, Lula também comentou sobre a conversa telefônica que teve com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na quarta-feira (8). O contato ocorreu em meio às tensões comerciais entre os dois países, após a imposição de tarifas de importação por Washington a produtos brasileiros.
“Ele me ligou da forma mais gentil que um ser humano pode lidar com outro”, relatou Lula. O presidente afirmou que pediu a retirada das tarifas de 40% aplicadas a mercadorias nacionais e disse acreditar que as negociações devem avançar nos próximos dias. “Eu disse que precisava retirar a taxação dos produtos brasileiros, que ele tinha sido mal informado. Agora começa outro momento”, declarou.
Lula informou ainda que Trump designou o secretário de Estado, Marco Rubio, para dar continuidade às tratativas com o governo brasileiro. “Ainda ontem, a pessoa que ele indicou, que é o secretário de Estado Marco Rubio, ligou para o meu ministro Mauro Vieira. Talvez a conversa comece a partir de agora”, acrescentou.
A agenda bilateral inclui temas como tarifas comerciais, investimentos e cooperação em energia limpa. Segundo o Planalto, há expectativa de um encontro presencial entre os dois presidentes durante a Cúpula da ASEAN, na Malásia, em novembro.
Desafios fiscais e políticos
Com a derrota da MP, o governo enfrenta um cenário fiscal mais restritivo. O bloqueio de gastos deve afetar investimentos e programas sociais, além de impor limitações à execução orçamentária de 2025. A equipe econômica trabalha para evitar que os cortes comprometam áreas estratégicas, como saúde e educação.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve apresentar na próxima semana um conjunto de propostas para compensar a perda de arrecadação. Entre as possibilidades estão revisões em benefícios tributários e o reforço da cobrança de impostos sobre setores de alta rentabilidade, como bancos, grandes empresas e plataformas digitais.
Paralelamente, o Palácio do Planalto tenta reorganizar sua base de apoio no Congresso. A relação com o Centrão e a falta de consenso em temas econômicos têm dificultado votações de interesse do governo, especialmente as relacionadas ao novo arcabouço fiscal e à meta de resultado primário.
Próximos passos
A expectativa é de que Lula reúna ministros e líderes partidários na próxima semana para discutir a nova estratégia fiscal. A reunião também deve definir a linha política de enfrentamento às resistências no Legislativo.
Enquanto isso, o governo busca equilibrar a agenda interna com o avanço das negociações internacionais. O diálogo com os Estados Unidos e a tentativa de preservar o fluxo comercial com os principais parceiros do Brasil são vistos como fundamentais para garantir estabilidade econômica no último ano antes das eleições municipais e a dois anos da disputa presidencial.