Consumidor americano paga a conta da retórica protecionista

Produtos importados ficaram 4% mais caros, enquanto nacionais subiram 2%, revelando o efeito direto da política comercial americana


A promessa, como tantas outras da era Trump, era sedutoramente simples: as tarifas impostas sobre produtos importados seriam uma arma contra nações estrangeiras, forçando-as a pagar para acessar o cobiçado mercado americano. A realidade, no entanto, teima em desmentir a retórica de palanque. Estudos acadêmicos rigorosos e dados de mercado inquestionáveis agora traçam um retrato claro e preocupante: a conta da guerra comercial da extrema-direita americana não está sendo enviada para Pequim ou Berlim, mas diretamente para os lares e empresas dos Estados Unidos.

O dogma central da política comercial de Trump está ruindo sob o peso da evidência empírica. A narrativa de que exportadores estrangeiros, desesperados para manter sua fatia de mercado, simplesmente absorveriam os custos, revelou-se uma fantasia econômica. Em vez disso, como aponta a pesquisa liderada por Alberto Cavallo, da Universidade de Harvard, “a maior parte do custo parece ser suportada pelas empresas americanas”.

Sua análise, que monitorou os preços de centenas de milhares de produtos, mostra que os itens importados ficaram 4% mais caros, enquanto os produtos nacionais, afetados pelo aumento de custos na cadeia de suprimentos, subiram 2%.

Essa é a mecânica fria do mercado em ação, imune a discursos inflamados. As empresas americanas, confrontadas com um aumento de custos de 17% em média nas importações, fazem o que o capitalismo sempre fez: protegem suas margens de lucro.

A escolha, para gigantes como Procter & Gamble ou EssilorLuxottica, não foi sacrificar seus lucros em nome de um projeto nacionalista, mas sim repassar o fardo para o consumidor final. Um levantamento da Reuters é demolidor: 72% das empresas monitoradas na Europa, Oriente Médio e África anunciaram aumentos de preços desde o início da ofensiva de Trump. A conta está sendo paga na prateleira do supermercado, na ótica, na concessionária.

A Casa Branca, encurralada pelos fatos, apela para um vago “período de adaptação” e a promessa de que, em um futuro distante, a lógica se inverterá. É um argumento frágil que ignora a pressão imediata sobre o orçamento das famílias e a competitividade das pequenas e médias empresas que não têm o fôlego das multinacionais para absorver tais choques.

O impacto vai além do bolso do consumidor, desestabilizando a própria gestão macroeconômica do país. Em um momento delicado, em que o Federal Reserve tenta navegar as águas turvas da inflação, as tarifas agem como um acelerador de preços, uma força inflacionária artificialmente criada por decisão política.

A dissonância dentro do próprio Fed é sintomática da confusão gerada: enquanto um governador ligado a Trump minimiza o efeito como “mudanças relativamente pequenas”, o Fed de Boston projeta um aumento de 0,75 ponto percentual na inflação básica, e o próprio presidente Jerome Powell admite que as tarifas já contribuíram significativamente para a última leitura de 2,9%.

Esta política de autossabotagem econômica não se contém dentro das fronteiras americanas. Ela reverbera globalmente, semeando instabilidade e contraindo o comércio. A Organização Mundial do Comércio já cortou drasticamente sua previsão de crescimento do comércio global para meros 0,5%, um número anêmico que prenuncia dificuldades para economias exportadoras em todo o mundo.

A União Europeia e a Alemanha, motores da economia global, já registram quedas acentuadas nas suas exportações para os EUA. O banco ING projeta um cenário sombrio, com uma possível queda de 17% nas exportações da UE para os EUA nos próximos dois anos.

O que estamos testemunhando não é uma estratégia comercial astuta, mas a materialização de uma política de extrema-direita que despreza a complexidade da economia global em favor de gestos de força bruta. É uma política que se baseia em uma premissa falsa, ignora as advertências de especialistas e, no final, penaliza sua própria população.

As tarifas de Trump não estão tornando a América “grande novamente”; estão tornando os produtos mais caros para os americanos, complicando a política monetária e envenenando as relações comerciais que sustentam a prosperidade global.

A verdade inconveniente, como alertam os analistas, é que o efeito completo ainda nem foi sentido. As empresas estão, nas palavras de Cavallo, “tentando encontrar maneiras de suavizar o impacto” ao longo do tempo. Isso significa que a pressão de alta nos preços será contínua. A conta, que já começou a chegar, ficará ainda mais salgada nos próximos meses, e será paga pelos cidadãos comuns, as vítimas silenciosas de uma guerra comercial ideológica que eles nunca pediram.

Com informações de Reuters*

Rhyan de Meira: Rhyan de Meira é jornalista, escreve sobre política, economia, é apaixonado por samba e faz a cobertura do carnaval carioca. Instagram: @rhyandemeira
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