Macron mantém poder e ignora alertas do país

O novo gabinete reconduz Sébastien Lecornu, mas as demandas da esquerda e da extrema direita ameaçam a sobrevivência política do governo / Reprodução

Enquanto a França enfrenta moções de desconfiança, Macron afirma que não renunciará e mantém postura firme diante do parlamento fragmentado


Em uma demonstração de desconexão quase monárquica com a realidade política de seu país, Emmanuel Macron, diretamente do Egito, envia um recado à França: ele não renunciará. A declaração, embalada em uma retórica de estadista sobre “continuidade e estabilidade”, soa mais como uma ameaça do que como uma garantia. Pois, de que estabilidade Macron fala? A estabilidade de cinco primeiros-ministros em apenas dois anos? A estabilidade de um parlamento ingovernável, fraturado em três blocos irreconciliáveis por sua própria política de centro-direita?

A verdade inconveniente para o Palácio do Eliseu é que a crise política que assola a França não é um acidente, mas um projeto. É o resultado direto de um presidente que, eleito sem uma maioria parlamentar clara, insiste em governar como se a tivesse, forçando uma agenda de austeridade e cortes que a maioria do espectro político, da esquerda à extrema direita, repudia. A recusa em renunciar ou convocar novas eleições não é um ato de serviço, como ele clama; é um ato de teimosia de quem se recusa a aceitar o veredito das urnas legislativas.

A situação do recém-reconduzido primeiro-ministro, Sébastien Lecornu, é emblemática deste caos institucionalizado. Detentor do recorde de mandato mais curto da história recente da República, com meros 27 dias, ele agora enfrenta duas moções de desconfiança antes mesmo de aquecer a cadeira. A sua promessa de “renovação e diversidade” no novo gabinete se revelou oca, com a manutenção dos mesmos rostos nos cargos principais, sinalizando que a estratégia do governo não é o diálogo, mas a persistência no erro.

O pomo da discórdia, como sempre nos últimos anos, é a justiça social. Os socialistas, cuja posição pode selar o destino de Lecornu, colocaram na mesa condições que expõem o cerne do projeto macronista: a revogação da brutal reforma previdenciária e a criação de um imposto sobre bilionários. São demandas populares, que ecoam o sentimento das ruas, mas que são tratadas pelo governo e pela direita como heresias. A ameaça do parlamentar socialista Philippe Brun é clara: o apoio está condicionado ao abandono do Artigo 49.3, o infame dispositivo que permite ao executivo aprovar leis sem o voto do parlamento – um rolo compressor antidemocrático que se tornou a marca registrada da governança de Macron.

Neste cenário, a convergência tática entre a extrema esquerda da França Insubmissa e a extrema direita do Rally Nacional para derrubar o governo não deve ser vista como uma aliança profana, mas como a medida da rejeição que Macron inspira. A frase de Jordan Bardella, “Não sou sectário… o interesse da França hoje é garantir que Emmanuel Macron seja detido”, é devastadora. Ela revela que, para uma parcela significativa e ideologicamente oposta do país, o maior obstáculo ao funcionamento da nação é o próprio presidente.

Enquanto isso, a missão do novo gabinete é apresentar mais um orçamento de cortes. A França, com o maior déficit da zona do euro, é pressionada a apertar os cintos. Mas quais cintos? Os dos trabalhadores, forçados a se aposentar mais tarde? Os dos serviços públicos, cada vez mais precarizados? A sucessão de primeiros-ministros (Barnier, Bayrou, Lecornu) derrubados ou ameaçados pela questão orçamentária mostra que o parlamento se recusa a ser um mero carimbador das políticas de austeridade do Eliseu.

Ao culpar as “forças políticas que decidiram votar contra François Bayrou” e as que “buscaram desestabilizar Sébastien Lecornu” pela “confusão”, Macron comete um ato de desonestidade intelectual. Ele é o arquiteto dessa confusão. Ele, que fragmentou o cenário político, que se recusa a construir pontes e que prefere a imposição à negociação.

A sua postura desafiadora no Egito, enquanto a França ferve, é a imagem de um líder isolado em sua própria certeza. A frase “servir significa servir, servir e servir” é vazia quando o serviço se destina a uma agenda econômica que aprofunda a desigualdade e a um exercício de poder que ignora a representação democrática. A França não precisa de um monarca que se recusa a abdicar. Precisa de um líder que ouça o seu parlamento e o seu povo. Ao se agarrar ao poder, Macron não garante a estabilidade; ele prolonga a agonia de uma crise que tem seu nome e sobrenome.

Com informações de Reuters*

Redação:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.