O cessar-fogo histórico é apresentado como vitória, mas o que se anuncia parece mais um capítulo do mesmo conflito
O cenário montado no Knesset nesta segunda-feira (13) foi o de um espetáculo grandioso, meticulosamente ensaiado para selar uma narrativa de vitória. Donald Trump, no púlpito do parlamento israelense, declarou “o fim da guerra” e um “novo amanhecer” para o que ele insiste em chamar de “Ásia Ocidental”. Mas para quem exatamente este sol está nascendo? A julgar pelo local, pelos aplausos e pelos discursos, este é um amanhecer que ilumina apenas um lado do muro.
O discurso de Trump, embora embalado em uma retórica de paz e de um “futuro mais brilhante para todos”, foi, em sua essência, um monólogo da vitória. Falou-se em desarmar o Hamas, desmilitarizar Gaza e garantir que a segurança de Israel “não seja prejudicada de forma alguma”. São termos de rendição, não de paz. São as condições impostas por uma potência nuclear e seu patrono global a um povo sitiado. Em nenhum momento se ouviu falar em Estado Palestino, em fim da ocupação, em direito de retorno ou na soberania de um povo que há décadas luta por sua terra.
A troca de prisioneiros, apresentada como um gesto magnânimo, revela a assimetria brutal do conflito: 20 reféns israelenses por 1.966 detentos palestinos. Milhares de palestinos que definham em prisões israelenses, muitos sem julgamento justo, são transformados em moeda de troca para uma paz que não os inclui. A “gratidão incessante” de Netanyahu e Lapid a Trump não é apenas diplomacia; é o reconhecimento de que este plano não foi negociado, mas sim elaborado em Washington e entregue a Jerusalém como um troféu.
Mais alarmante é a arrogância com que Trump celebra a desestabilização da soberania regional. Ao se gabar de que “os principais terroristas do Irã, incluindo comandantes e cientistas nucleares, foram extintos”, o presidente americano não fala de diplomacia, mas de uma política de assassinatos que viola o direito internacional. A “adaga apontada para Israel” que ele alega ter destruído era, para muitos, a simples capacidade de autodefesa de nações que se recusam a curvar-se à hegemonia EUA-Israel na região.
O chamado “novo Oriente Médio” de Trump soa perigosamente como o velho colonialismo com uma nova roupagem. Um Oriente Médio onde a segurança de Israel é o único pilar da estabilidade e onde qualquer resistência é rotulada como “forças do caos e da ruína”. A participação de países árabes, pressionando pela libertação dos reféns, é louvada não como um ato de soberania, mas como a submissão ao roteiro escrito pela Casa Branca.
A nota de rodapé dissonante em meio à celebração é a realidade: o Hamas já rejeitou a proposta de desarmamento. É uma recusa previsível. Pedir que um movimento de resistência entregue suas armas sem qualquer garantia de um Estado, de direitos ou de dignidade é pedir pela capitulação total.
O longo e doloroso pesadelo, ao contrário do que proclama Trump, não acabou para os palestinos. O que foi anunciado no Knesset não foi a paz, mas a formalização de um controle mais profundo. Foi a celebração de uma ordem em que a liberdade de um povo é o preço pago pela segurança de outro. Este “novo amanhecer” pode ser dourado para Israel, mas para a Palestina, parece apenas mais um dia sob a mesma e implacável sombra.
Com informações de The Cradle*