Pedro Montenegro foi Chefe da Ouvidoria Geral da Cidadania e Coordenador-Geral de Combate à Tortura da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, nos governos Lula I e II, entre 2003 a 2009
Passados vinte anos da realização da 8ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, com o tema central “Sistema Nacional de Proteção dos Direitos Humanos”, realizada em Brasília em 2003, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, reeditam o mesmo tema na 13ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, a ser realizada em Brasília, de 10 a 13 de dezembro de 2025.
A repetição do mesmo tema, duas décadas depois, merece uma reflexão, ausente no documento orientador da 13ª Conferência, especialmente, tomando em conta os profundos retrocessos no campo dos direitos humanos, caracterizados por ameaças concretas à democracia, ao estado democrático de direito, aos direitos fundamentais, somados os desafios globais, como as mudanças climáticas e as desigualdades abissais mundiais.
Antes de enfrentar a pertinência do tema reeditado da 13º Conferência, gostaria de tratar, do que na velha e boa escola política de formação de quadros, o movimento estudantil, chamávamos questões de fundo. Trago uma destas questões:
A compreensão dos direitos humanos no século XXI: qual concepção de direitos humanos dará conta dos desafios colocados para a sobrevivência da humanidade e da nossa casa comum, a Mãe Terra? Em que medida, em que termos, o legado dos direitos humanos, construído por muitas lutas no Brasil precisa ser atualizado pra fazer face aos 6 (seis) eixos temáticos da Conferência, a saber: Eixo 1- Enfrentamento das Violações e Retrocessos; Eixo 2- Democracia e Participação Popular; Eixo 3 – Igualdade e Justiça Social Eixo 4 – Justiça Climática, Meio Ambiente e Direitos Humanos; Eixo 5- Proteção dos Direitos Humanos no Contexto Internacional e Eixo 6 – Fortalecimento da Institucionalidade dos Direitos Humanos.
Na incessante busca por pistas, recorro a Arendt, que no contexto das angústias e incertezas que marcaram o pós-guerra, no ensaio sobre o imperialismo, escreveu no capítulo 5 um pequeno texto intitulado “O declínio do Estado-nação e o fim dos direitos do homem”, produzindo uma análise sobre as perplexidades e os paradoxos dos direitos humanos, que incrivelmente, são extremamente atuais:
“Nenhum paradoxo da política contemporânea é tão dolorosamente irônico como a discrepância entre os esforços de idealistas bem intencionados, que persistiam teimosamente em considerar ‘inalienáveis’ os direitos desfrutados pelos cidadãos dos países civilizados e a situação de seres humanos sem direito algum.”
A aposta na teoria dos sistemas, com a reedição do tema da 8ª Conferência dos Direitos Humanos de 2003, como ferramenta para a reconstrução dos direitos humanos no Brasil de 2025, como proposta pelos organizadores da 13ª Conferência, se apresenta em sincronia com o “espírito do tempo”, o clima intelectual, cultural, ético e político atual?
Criada por Ludwig Von Bertalanffy, a Teoria Geral dos Sistemas (TGS), tem dentre os seus princípios fundamentais: Totalidade – O sistema deve ser entendido como um todo, e não apenas como a soma de suas partes; Interdependência – Os elementos do sistema estão interligados; uma mudança em uma parte afeta o todo e Homeostase – a capacidade do sistema de manter o equilíbrio mesmo diante de mudanças externas.
Como a validade de qualquer teoria só pode ser comprovada na atividade prática e transformadora, e, não apenas na reflexão teórica, como formulou Karl Marx na tese XI sobre Feuerbach: “a prática é o critério da verdade”, indago como esses princípios essenciais para o funcionamento do sistema germinarão no solo árido de baixa fertilidade como se apresenta a conjuntura atual?
Vejamos os sinais cristalinos da sua aridez/infertilidade: fragmentação e falta de articulação institucional; escassez de recursos financeiros e humanos, descontinuidade de políticas públicas; criminalização dos defensores de direitos humanos; desinformação e discursos de ódio; baixa participação social efetiva; desigualdades estruturais e interseccionais; violência institucional e policial e cumprimento insuficiente de compromissos internacionais.
Ao final, sem nenhuma pretensão de exaurir o debate, espera-se com essa provocação que a 13ª Conferência dos Direitos Humanos, esse espaço importantíssimo de diálogo e de reafirmação das lutas pela dignidade humana, se debruce sobre essas questões cruciais.