Os chiliques ridículos do Tio Sam contra a China

Os acordos de Pequim e Londres com Trump deixam o futuro extremamente incerto / JEAN-CHRISTOPHE BOTT / EPA-EFE / Shutterstock

Se os Estados Unidos conseguissem sintetizar cinismo e exportá-lo, resolveria o seu problema de déficit comercial e se tornaria o país mais superavitário do mundo. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, veio a público ontem acusar a China de agredir o mundo, de ser uma economia estatal, de tentar desacelerar o comércio mundial. Chega a dar falta de ar, de tamanha audácia em inverter totalmente a realidade.

Foram os Estados Unidos que iniciaram uma guerra tarifária contra o mundo inteiro, que continua, aliás. São os Estados Unidos que estão há anos tentando asfixiar a China com barreiras tecnológicas. São os Estados Unidos que inundam o mundo de sanções.

Mas a cara de pau não tem limite. Agora Bessent fala em reunir aliados contra a China. Os mesmos aliados que os Estados Unidos vêm atacando com incrível virulência nos últimos meses.

A Índia sofre tarifas de 50% porque Washington tenta coagi-la a abandonar o petróleo russo. Ironicamente, foram os próprios Estados Unidos que pediram à Índia para aumentar as compras de petróleo russo, justamente para evitar um colapso nos preços internacionais do petróleo.

O presidente da Coreia do Sul declarou que pagar o tributo exigido pelos americanos levaria seu país à falência. Como se não bastasse, os Estados Unidos mandaram o ICE na Hyundai, na Geórgia, para acorrentar, humilhar e deportar trabalhadores coreanos que estavam construindo uma fábrica de baterias elétricas a pedido do próprio governo americano.

Os Estados Unidos tentaram extorquir o Japão, impondo tarifas estratosféricas e depois exigindo, para que essas fossem retiradas, que o Japão investisse centenas de bilhões de dólares nos Estados Unidos, recursos que seriam controlados pela própria Casa Branca. O Japão vem se recusando a confirmar esses investimentos. Os ataques tarifários americanos ao Japão já produziram enorme turbulência política no país, com várias quedas de governo.

A Europa foi forçada a aceitar um acordo em termos incrivelmente humilhantes, negociado com táticas desrespeitosas. E os próprios Estados Unidos já quebraram esse acordo várias vezes, reimpondo recentemente novas tarifas contra produtos estratégicos para a Europa, como medicamentos, produtos químicos e bebidas.

O Canadá é rotineiramente ameaçado de anexação por Trump.

E é exatamente a essas vítimas que Bessent pede agora para condenarem a China por revidar. Boa sorte em montar essa coalizão.

A tentativa de apresentar os controles chineses sobre terras raras como um “ataque não provocado ao mundo” beira o ridículo. A imensa maioria do mundo está, na verdade, aplaudindo a China. Até o europeu médio deseja que seus líderes pudessem responder da mesma forma, em vez de se submeter e ser humilhado.

A China está trazendo responsabilização onde havia impunidade. Compreende-se que seja incomum para os Estados Unidos provar do próprio remédio vindo de uma potência realmente forte. Mas quando você cava um buraco para si mesmo, pare de cavar.

Vale lembrar que este é o mesmo Bessent que em maio prometeu que as tarifas do “dia da libertação” de Trump criariam um “grande cerco” para isolar a China. Já sabemos como essa estratégia terminou.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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