Confira o documento de quase 2 mil páginas que detalha os fundamentos da condenação por tentativa de golpe de Estado e abre o caminho para a execução das sentenças
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo decisivo no processo que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado. Nesta quarta-feira (22), foi publicado o acórdão de 1.991 páginas que formaliza a decisão da Primeira Turma e inaugura a contagem regressiva para os últimos recursos possíveis no tribunal. O documento, denso e detalhado, consolida uma das decisões mais emblemáticas da história recente da Corte e aproxima o momento em que as penas começarão a ser cumpridas.
Com a publicação, as defesas dos condenados passam a ter cinco dias úteis para apresentar embargos de declaração — recurso técnico destinado a apontar eventuais omissões, contradições ou erros formais na decisão. Embora esse tipo de recurso não altere o conteúdo da condenação, ele pode atrasar o início da execução das penas, funcionando como a última tentativa das defesas de adiar a aplicação efetiva das sentenças.
Após o esgotamento dos recursos e o trânsito em julgado, o STF estará apto a determinar o cumprimento das penas impostas. No caso do ex-presidente, a tendência é que seja expedido mandado de prisão em regime fechado, salvo se houver alguma decisão cautelar que estabeleça medida alternativa. O cenário reforça o avanço concreto do processo e a iminência de uma nova etapa judicial de grande impacto político.
Atualmente, Bolsonaro cumpre prisão domiciliar, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, mas em outro inquérito — o que investiga a suposta tentativa de interferência do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos. Segundo a investigação, o parlamentar teria buscado pressionar autoridades estrangeiras e influenciar o andamento da ação penal que apura a tentativa de golpe no Brasil.
O julgamento
O acórdão reúne os votos e os fundamentos jurídicos dos ministros da Primeira Turma do STF, que concluíram o julgamento em 11 de setembro. A Procuradoria-Geral da República (PGR) classificou os oito condenados como o “núcleo central” da conspiração golpista — o grupo responsável por planejar, coordenar e liderar ações destinadas a anular o resultado das eleições de 2022 e impedir a posse do presidente eleito.
De acordo com a PGR, as provas reunidas ao longo das investigações demonstram que o grupo atuava de forma organizada e hierarquizada, com clara divisão de funções e utilização da máquina pública para sustentar a tentativa de ruptura institucional. O objetivo, segundo a acusação, era explícito: “abolir o Estado Democrático de Direito e impedir a posse do presidente legitimamente eleito.”
A publicação do acórdão não apenas consolida juridicamente a condenação, mas também reafirma a posição do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição e do regime democrático. O documento simboliza o fechamento de um ciclo de julgamento histórico e abre um novo capítulo, em que a execução das penas pode, em breve, transformar em realidade o que até então se desenhava apenas nos autos do processo.
Condenação e penas

O Supremo Tribunal Federal consolidou, no acórdão publicado nesta quarta-feira (22), as penas aplicadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a seus sete aliados, condenados por envolvimento direto na tentativa de golpe de Estado. O tribunal reconheceu a responsabilidade dos réus pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado — todos considerados gravíssimos ataques à ordem constitucional brasileira.
Bolsonaro recebeu a maior pena entre os condenados: 27 anos e 3 meses de prisão em regime fechado, além de multa e inelegibilidade. Segundo o relator, ministro Alexandre de Moraes, o ex-presidente teve papel central na trama, sendo apontado como figura de liderança e inspiração para as ações que visavam romper o regime democrático e manter-se no poder à força.
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e delator do caso, foi condenado a 2 anos de prisão em regime aberto, após firmar acordo de colaboração premiada com a Justiça. A cooperação de Cid foi considerada fundamental para esclarecer etapas do plano e confirmar a existência de um núcleo central de comando dentro do governo.
Os demais condenados — Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto — receberam penas que variam de 16 a 26 anos de prisão, conforme o grau de envolvimento e a função desempenhada em cada etapa da conspiração. Entre eles, Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, permanece preso preventivamente, acusado de financiar acampamentos golpistas e de participar do planejamento de um atentado contra o ministro Alexandre de Moraes.
O julgamento teve placar de 4 a 1. Votaram pela condenação os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. O ministro Luiz Fux apresentou voto divergente, defendendo a absolvição da maioria dos réus, incluindo Bolsonaro, mas acabou vencido pela maioria da Primeira Turma.
Julgamentos em série
A publicação do acórdão ocorre em meio a uma sequência de julgamentos relacionados à tentativa de golpe e aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas em Brasília. Na véspera da divulgação do documento, o STF concluiu o julgamento do núcleo 4 da investigação — composto por sete réus acusados de espalhar desinformação sobre o sistema eletrônico de votação e incitar ataques às instituições.
As penas aplicadas a esse grupo chegaram a 17 anos de prisão, ampliando o cerco judicial contra os responsáveis pela escalada de violência e radicalização política que culminou na tentativa de ruptura institucional. As decisões recentes reforçam o entendimento do Supremo de que a democracia brasileira não admite retrocessos e que todos os envolvidos em atos contra o Estado Democrático de Direito serão responsabilizados com o rigor da lei.
Com os julgamentos avançando em diferentes núcleos da denúncia, o STF consolida uma resposta firme e histórica diante da maior ofensiva contra o regime democrático desde a redemocratização do país. O acórdão, ao reunir provas, votos e fundamentos jurídicos, torna-se um documento simbólico — e decisivo — na reconstrução da verdade e na defesa da Constituição.


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