Alta histórica do cobre revela um paradoxo

O metal vermelho tornou-se espelho de um sistema em delírio — onde o preço reflete mais política e ganância do que produção e progresso / Reprodução

Investidores celebram lucros e fusões bilionárias, mas o “Dr. Cobre” alerta: por trás do otimismo, há febre, e o paciente é a economia mundial


O preço do cobre ultrapassou US$ 10.600 por tonelada, o maior valor em 18 meses. No centro desse boom está uma força bem conhecida: a política econômica de Donald Trump. As tarifas impostas por Washington às importações de alumínio, cobre e aço abriram brechas para uma lucrativa corrida de arbitragem — comprando barato em um mercado e vendendo caro em outro. Esse movimento aqueceu as bolsas, gerou fusões bilionárias e fez do cobre o novo astro do mercado global de commodities.

A Anglo American e a Teck Resources, duas gigantes do setor, anunciaram uma fusão avaliada em US$ 50 bilhões. A BHP, maior mineradora do mundo, considera reabrir minas desativadas. E até a Saudi Aramco, conhecida pelo petróleo, agora contrata especialistas em cobre.

Mas, por trás do brilho dos lustres e do espumante caro, o “Dr. Cobre” — apelido dado ao metal por sua fama de diagnosticar a saúde da economia mundial — envia sinais de alerta.

O cobre sempre foi um termômetro da economia real. Sua demanda acompanha de perto o ritmo da construção civil, da indústria e da infraestrutura energética. Quando o cobre sobe, é sinal de que o mundo está produzindo e crescendo.

Mas a atual euforia não condiz com o quadro global. O crescimento econômico é morno, e a indústria enfrenta desaceleração em várias partes do planeta. Então, por que o “paciente” parece tão saudável?

Existem três hipóteses: uma explosão na demanda, escassez de oferta, ou interferência política e especulativa — e, segundo analistas, é esta última que explica o fenômeno.

Os investidores mais otimistas apostam na transição energética e na inteligência artificial como motores de uma nova era para o cobre.

De fato, carros elétricos precisam de duas a quatro vezes mais cobre que um veículo comum, e o metal é essencial para redes elétricas, turbinas eólicas e data centers. Este último setor, impulsionado pelo boom da IA, deve consumir 300 mil toneladas de cobre refinado apenas neste ano — cerca de 1% da produção mundial.

Mas há um porém: essa previsão é antiga. A “escassez iminente” de cobre é prometida há anos, e ainda não chegou. Na festa da LME, analistas brincavam que “a crise do cobre está sempre a quatro ou cinco anos de distância”. Além disso, os avanços tecnológicos tornam os produtos mais eficientes: um carro elétrico fabricado em 2025 usará 10% menos cobre que um produzido em 2020.

Ao mesmo tempo, a China — tradicional motor da demanda global — está desacelerando. O país, antes dependente da construção civil, busca novos pilares de crescimento. Segundo Tom Price, do banco Panmure Liberum, essa mudança estrutural pode liberar até 2 milhões de toneladas de cobre por ano. “A demanda global deve cair, não subir”, alerta.

Há, no entanto, quem veja a explicação no outro lado da balança: a oferta.

Em setembro, um deslizamento de lama atingiu a mina de Grasberg, na Indonésia — a segunda maior do mundo —, paralisando a produção. A operadora Freeport já anunciou que a atividade total só deve ser retomada em 2027.

A interrupção, somada a problemas em minas no Chile e na República Democrática do Congo, pode retirar 400 mil toneladas de cobre do mercado em 2025. O preço disparou 4% logo após a Freeport declarar força maior em 24 de setembro.

Mesmo assim, os analistas descartam um colapso da oferta. Essas perdas estão dentro do que o setor chama de “provisão para interrupções”, uma margem de segurança prevista para eventos imprevistos. E para complicar a narrativa da escassez, a mina Escondida, no Chile — a maior do planeta —, vem produzindo acima das expectativas.

Resta, portanto, a política.

As medidas comerciais do governo Trump distorceram profundamente o mercado. Em julho, os EUA impuseram uma tarifa de 50% sobre as importações de cobre, o que fez os preços dispararem em Nova York. Quando o presidente decidiu isentar o cobre refinado, em agosto, os preços caíram — mas logo voltaram a subir, impulsionados por rumores de novas tarifas.

O resultado é uma corrida especulativa: cerca de 340 mil toneladas de cobre estão agora estocadas em Nova York, contra apenas 80 mil em janeiro.

Enquanto isso, o Federal Reserve reduziu as taxas de juros, enfraquecendo o dólar e tornando commodities como o cobre mais atraentes para fundos de investimento. Esses grandes investidores — apelidados de “turistas do cobre” — não se preocupam com oferta e demanda: seguem apenas o movimento das taxas.

O problema é que o capital especulativo é volátil. Assim como entra, pode sair em massa diante de um choque — seja uma recessão chinesa, seja o impacto de novas tarifas americanas.

Por enquanto, o baile continua. Os executivos brindam, os fundos celebram lucros recordes, e o cobre parece o novo ouro. Mas, como alerta o “Dr. Cobre”, há algo artificial nesse brilho.

A economia global não sustenta essa euforia, e o preço atual do metal reflete mais política e especulação do que produtividade real.

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