Carros elétricos e IA prometem demanda, mas eficiência e desaceleração chinesa mostram que a escassez de cobre é mais mito que fato
O “Dr. Cobre” está doente. Durante gerações, o apelido do metal foi justificado por sua capacidade infalível de diagnosticar a saúde da economia real. Se o cobre subia, era porque o mundo estava construindo, fabricando e crescendo. Mas o termômetro quebrou.
Hoje, o cobre ultrapassa os US$ 10.600 por tonelada, atingindo picos de 18 meses, e os executivos do setor brindam com espumante. Contudo, esse otimismo é uma farsa. A economia global real está morna; a indústria desacelera. O que celebramos, então, não é a produção, mas a mais pura e desenfreada especulação financeira, alimentada por políticas de compadrio e pelo capital volátil.
A prova mais obscena dessa desconexão foi vista recentemente em Londres. Num salão de baile do West End, sob lustres cintilantes, mais de 1.500 convidados — ministros de estado e CEOs das maiores mineradoras do planeta — vestiam seus smokings e vestidos de gala para o jantar anual da indústria de metais.
Enquanto tilintavam taças de Chardonnay, o clima era de glória. A confiança era tanta que o espetáculo pós-jantar foi uma performance de Mamma Mia! estrelada pelos próprios dirigentes da bolsa de metais.
É a metáfora perfeita para a nossa era: enquanto a economia produtiva enfrenta incertezas, a elite financeira dança e canta, celebrando lucros fictícios. Eles apostavam garrafas de espumante na duração do show, alheios ao fato de que a verdadeira performance era a bolha que eles mesmos inflavam.
Para justificar essa euforia, o capital precisa de uma narrativa. E eles têm duas.
A primeira é a utopia da “demanda verde” e da Inteligência Artificial. Eles nos dizem que os carros elétricos (que usam de duas a quatro vezes mais cobre), as turbinas eólicas e os famintos data centers da IA (consumindo 300 mil toneladas só este ano) criarão uma escassez inevitável.
É uma história conveniente, mas que desmorona sob o mínimo escrutínio. Como analistas brincavam na própria festa, “a crise do cobre está sempre a quatro ou cinco anos de distância”. A verdade é que a tecnologia avança e a eficiência aumenta: um carro elétrico de 2025 usará 10% menos cobre que um de 2020.
Pior para os otimistas, a China — o verdadeiro motor da demanda global — está em plena desaceleração. Ao buscar novos pilares de crescimento para além da construção civil, o país pode, na verdade, liberar até 2 milhões de toneladas de cobre por ano. Como alerta o analista Tom Price, a demanda global deve cair, não subir.
A segunda narrativa é a da escassez de oferta. Eles apontam para o trágico deslizamento de lama na mina de Grasberg, na Indonésia, que paralisou a segunda maior mina do mundo. Apontam para problemas no Chile e no Congo, que juntos podem retirar 400 mil toneladas do mercado.
Mas, novamente, os números não mentem. Essa perda, embora significativa, está dentro da “provisão para interrupções” — uma margem de segurança que a indústria sempre calcula para imprevistos. E, para arruinar de vez a história da escassez, a mina Escondida, no Chile — a maior do planeta — está produzindo acima das expectativas.
Se não há uma crise de oferta nem uma explosão de demanda real, de onde vem o preço de US$ 10.600?
A resposta é tão cínica quanto óbvia: política e especulação. O verdadeiro motor desse boom tem nome e sobrenome: Donald Trump.
As tarifas impostas por Washington sobre o alumínio, cobre e aço não servem para proteger a indústria, mas para distorcer o mercado. Elas abriram brechas para uma “corrida de arbitragem” — o jogo de cassino de comprar barato onde não há tarifa e vender caro onde há.
Quando os EUA impuseram 50% sobre as importações de cobre em julho, os preços em Nova York dispararam. Quando isentaram o cobre refinado em agosto, caíram. Quando novos rumores surgiram, voltaram a subir.
Isso não é economia; é um teatro político para beneficiar especuladores. O resultado? As toneladas de cobre estocadas em Nova York saltaram de 80 mil em janeiro para 340 mil. Isso não é cobre para fábricas; é cobre guardado como ficha de pôquer.
Para completar o cenário, o Federal Reserve reduziu as taxas de juros. Ao enfraquecer o dólar, o Fed convidou os “turistas do cobre” — fundos de investimento que não se importam com a indústria real — para a festa. Eles não seguem a demanda de construção; seguem apenas o movimento das taxas de juros.
O resultado é um frenesi no topo da pirâmide. A Anglo American e a Teck Resources anunciam uma fusão de US$ 50 bilhões. A BHP cogita reabrir minas desativadas. Até a petrolífera Saudi Aramco agora contrata “especialistas em cobre”. O capital se funde e se concentra, não baseado na produção, mas na especulação.
O brilho dos lustres no salão de baile londrino e os ecos distantes de Mamma Mia! são o símbolo de um sistema quebrado. A festa do cobre não celebra a saúde da economia mundial; ela celebra a capacidade do capital financeiro de criar seu próprio lucro, completamente divorciado da realidade produtiva.
O “Dr. Cobre” está alertando: o paciente está artificialmente aquecido por uma febre especulativa. E quando a maré mudar — seja por uma recessão chinesa ou pela simples saída dos “turistas” do mercado — a ressaca será severa. Os 1.500 convidados de smoking estarão seguros com seus lucros recordes. A conta, como sempre, será paga pela economia real.