O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou nesta terça-feira (28) que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), não entrou em contato com o governo federal antes da realização da megaoperação contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio.
“O governador não fez nenhum contato comigo”, disse Lewandowski à coluna de Igor Gadelha.
A declaração veio após Castro criticar o governo federal e afirmar que o estado teve três pedidos de apoio das Forças Armadas negados, incluindo o uso de blindados militares.
Ministério nega omissão e cita 11 pedidos atendidos
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmou que tem atendido prontamente a todos os pedidos do governo fluminense relacionados à atuação da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP).
“Desde 2023, foram 11 solicitações de renovação da FNSP no território fluminense. Todas acatadas”, informou a pasta.
A nota reforça que o envio da Força Nacional está condicionado a pedidos formais dos estados, e que, no caso da operação desta terça-feira, nenhum pedido de reforço foi encaminhado pelo Rio de Janeiro antes da ação.
Confronto deixa 64 mortos e mais de 80 presos
De acordo com balanço oficial do Palácio Guanabara, 64 pessoas morreram e 81 foram presas durante a operação policial, que mobilizou 2.500 agentes das polícias Civil e Militar para cumprir 100 mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho.
Entre os mortos, estão dois policiais civis e dois militares. As forças estaduais também apreenderam 75 fuzis, duas pistolas e nove motocicletas.
O governo estadual classificou a ação como “a maior ofensiva da década contra o crime organizado”, mas organizações de direitos humanos e lideranças políticas criticaram a letalidade da operação, que já é considerada a mais mortal da história do Rio de Janeiro.
Três pessoas sem envolvimento com o confronto ficaram feridas:
um homem em situação de rua, atingido nas costas por uma bala perdida;
um jovem ferido em um ferro-velho;
e uma mulher baleada dentro de uma academia, que recebeu alta após atendimento médico.
Críticas de Cláudio Castro e impasse com o Planalto
Mais cedo, durante coletiva de imprensa, Cláudio Castro acusou o governo federal de abandonar o estado no combate ao crime organizado.
“Já pedimos os blindados algumas vezes e todos foram negados. Falaram que tinha que ter GLO (Garantia da Lei e da Ordem), porque o servidor que opera o blindado é federal. E o presidente é contra a GLO”, afirmou o governador.
Castro também declarou que o Rio está “sozinho” e que falta “vontade política” por parte de Brasília para enfrentar as facções armadas.
“Não temos ajuda das forças de segurança federais, nem da Defesa. É o Rio de Janeiro sozinho. É muito fácil criticar o governador quando o estado está excedendo suas competências, mas a realidade é essa: estamos sozinhos.”
O governador pediu apoio das Forças Armadas para o uso de blindados e reforço aéreo em áreas dominadas pelo tráfico.
Ministério da Defesa não comenta pedidos de blindados
Procurado, o Ministério da Defesa não confirmou se houve solicitações formais de uso de blindados. Fontes militares ouvidas por veículos de imprensa afirmam que qualquer atuação das Forças Armadas requer decreto presidencial de GLO, o que não foi cogitado pelo Palácio do Planalto.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem evitado recorrer a operações militares em territórios urbanos desde o início de seu mandato, defendendo que a segurança pública é de competência dos estados.
A operação e o contexto da violência
A ação desta terça-feira ocorreu após a morte de um policial militar no fim de semana e tinha como objetivo reprimir atividades do Comando Vermelho, que controla parte das comunidades da Penha e do Alemão.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a ofensiva atingiu depósitos de armas e laboratórios de drogas da facção. A operação foi considerada “de alto impacto” pela Polícia Civil, que defendeu o uso da força diante do poder de fogo das quadrilhas.
O governo estadual argumenta que o tráfico de drogas no Rio tem se tornado mais sofisticado, com uso de drones armados, granadas e equipamentos militares.
Tensões entre governos e disputa política
As trocas de acusações entre o governador Cláudio Castro e o ministro Ricardo Lewandowski agravam a tensão institucional entre o Palácio Guanabara e o Palácio do Planalto.
Em 2023, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, já havia enfrentado embates com Castro sobre o uso da Força Nacional. O governador, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), costuma criticar as políticas de segurança do governo Lula e defender uma postura mais dura contra o crime organizado.
Enquanto o Planalto prega coordenação e inteligência integrada, Castro tem enfatizado operações ostensivas e combates diretos nas comunidades.
A divergência reacende o debate sobre o papel da União no apoio à segurança pública dos estados e os limites do uso das Forças Armadas em ações de policiamento.
Repercussões
A operação, com 64 mortos em um único dia, reacendeu críticas de organismos de direitos humanos e de parlamentares da oposição. O Instituto Fogo Cruzado classificou o episódio como “o maior massacre em uma ação policial do estado desde 2019”, e pediu investigação independente.
O governo do Rio, por sua vez, defende que a operação foi “necessária e bem-sucedida”, enquanto o Ministério da Justiça aguarda informações oficiais para avaliar se houve violações de direitos ou abuso de força.
“Todas as solicitações feitas pelo estado foram atendidas. Mas, neste caso, não houve qualquer pedido de apoio prévio”, reforçou o MJSP em nota.