Após a operação mais letal da história do RJ, Lula convoca gabinete de crise e tenta coordenar soluções, enquanto Castro busca transferir responsabilidades
Brasília despertou em sobressalto nesta quarta-feira (29), tomada por um sentimento de urgência. O dia anterior havia sido marcado por uma das páginas mais trágicas da história fluminense: a “operação policial mais letal da história do RJ” — como reconhecem as próprias autoridades — terminou com pelo menos 64 mortos e uma cidade em luto. O alvo era o Comando Vermelho (CV), mas o que restou foi um cenário de guerra em meio a comunidades já castigadas pela violência e pelo abandono do Estado.
Enquanto o povo carioca tenta compreender o que aconteceu, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mobiliza seu governo para lidar com a crise. Em Brasília, o Planalto instalou um gabinete de emergência, evidenciando o contraste entre a postura do governo federal e o caos político-administrativo do Palácio Guanabara.
Ação rápida no Planalto
Lula estava em pleno retorno de uma viagem oficial à Ásia quando a tragédia tomou as ruas do Rio. Ainda a bordo do avião presidencial, foi informado do “caos provocado pela guerra entre polícia e traficantes”. Assim que aterrissou em Brasília, na noite de terça (28), o presidente telefonou ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, buscando detalhes e determinando uma resposta imediata.
Antes mesmo de sua chegada, o vice-presidente Geraldo Alckmin, então no exercício da Presidência, já havia reunido ministros para desenhar uma “primeira linha de ação federal” diante da escalada de mortes. O gesto demonstrou disposição em agir — algo que o governo fluminense não pareceu demonstrar com a mesma eficiência.
Castro reage com acusações
Enquanto o Planalto tentava organizar a assistência ao estado, Cláudio Castro (PL) preferiu partir para o confronto político. Em uma coletiva de tom inflamado, o governador tentou dividir responsabilidades e transferir a culpa, alegando que “estava sozinho” no combate ao crime organizado.
Castro acusou o governo federal de negar apoio, afirmando que havia solicitado “em diversas vezes ao longo do ano” o empréstimo de blindados das Forças Armadas, sem retorno. A narrativa, no entanto, desmoronou rapidamente. Segundo apuração do colunista Gerson Camarotti (g1), o ministro Rui Costa telefonou duas vezes ao governador exigindo explicações. Foi categórico: nenhum pedido formal de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) chegou ao Planalto.
Blindados e contradições
Poucas horas depois, o Ministério da Defesa divulgou nota detalhando os fatos — e desmontando o discurso do governador. O pedido de blindados existiu, sim, mas foi feito em janeiro, e não para apoiar operações policiais. O objetivo era reforçar a segurança do Hospital Naval Marcílio Dias, após o assassinato de uma militar da Marinha, sem qualquer relação com a ação desta semana.
O episódio expõe um padrão conhecido: em vez de assumir responsabilidades e discutir as raízes da violência, o governo de Castro prefere a retórica do confronto político, tentando terceirizar o fracasso de uma política de segurança baseada em operações espetaculares e sem inteligência.
Governo federal reage e busca soluções
Apesar das provocações, o governo Lula manteve o foco em medidas concretas. O Planalto atendeu imediatamente ao pedido do estado por dez vagas em presídios federais de segurança máxima, destinadas à transferência de líderes de facções. Além disso, ministros de peso desembarcaram no Rio nesta quarta (29) — Ricardo Lewandowski (Justiça), Rui Costa (Casa Civil) e o diretor-executivo da Polícia Federal, William Murad — para coordenar uma força-tarefa voltada à inteligência e à cooperação institucional.
A expectativa é de que a reunião com o governo fluminense marque uma virada de página: menos pirotecnia policial e mais integração entre as esferas de poder. A tragédia, afinal, cobra respostas que vão além da disputa de narrativas.
Entre o luto e a política
No chão das favelas, as famílias ainda choram seus mortos — vidas anônimas apagadas em uma “guerra” que não tem vencedor. A cada operação, o ciclo se repete: o Estado entra atirando, o tráfico se reorganiza, e o povo segue refém do medo. O governo federal, agora, tenta costurar saídas estruturais, enquanto o governo estadual insiste em manter a política do confronto como vitrine de eficiência.
O que se vê é o retrato de um Rio de Janeiro abandonado pelas políticas públicas, governado sob a lógica do espetáculo policial. Diante da maior tragédia já registrada em uma ação de segurança, o país inteiro se pergunta: até quando a morte será tratada como política de Estado?