O anúncio de uma “parceria estratégica” de US$ 80 bilhões entre a administração Trump e a gigante nuclear Westinghouse não é uma celebração da inovação; é a mais recente e audaciosa manobra do capital para socializar seus custos enquanto privatiza seus lucros. Sob o pretexto de alimentar a “revolução da IA”, o que se testemunha é uma transferência massiva de fundos públicos para um setor historicamente problemático, tudo para garantir que a sede de energia das grandes corporações de tecnologia seja saciada.
A aliança, que inclui a controladora da Westinghouse, Cameco, e a gestora de ativos Brookfield Asset Management, foi habilmente embalada como uma necessidade para “vencer a corrida global na inteligência artificial”. No entanto, a realidade por trás do comunicado triunfante da Westinghouse é menos sobre soberania nacional e mais sobre subsídio corporativo. Um porta-voz da empresa confirmou o ponto crucial: o governo dos EUA financiará integralmente o projeto.
Não se trata de uma parceria; trata-se de o Estado assumir todo o risco financeiro de uma aposta de alto custo, enquanto os lucros futuros serão canalizados para os cofres da Westinghouse e seus associados.
A narrativa oficial se apoia na fome “colossal” de energia da inteligência artificial. Os data centers, que treinam modelos de linguagem e processam volumes exponenciais de dados, são de fato um gargalo energético. Gigantes da tecnologia como Google e Microsoft, cientes de que seu modelo de negócios extrativo está atingindo um limite físico, já haviam anunciado seus próprios investimentos em energia nuclear.
O que o movimento da administração Trump faz é validar essa demanda como uma prioridade nacional inquestionável. Em vez de questionar o modelo de desenvolvimento da IA — que consome mais energia para gerar lucros privados — o governo opta por dobrar a aposta, usando o dinheiro dos contribuintes para construir a infraestrutura que o setor privado exige. O público paga pela energia, enquanto Google e Microsoft a utilizam para manter sua “competitividade em escala global”.
O Secretário de Energia, Chris Wright, não poupa a retórica nacionalista para justificar o investimento. A iniciativa, segundo ele, ajudará a “concretizar a grande visão do Presidente Trump de energizar plenamente os Estados Unidos”. Ele celebra o que chama de “renascimento da energia nuclear”, afirmando que Trump está “cumprindo a promessa”.
O que o secretário omite é que este “renascimento” não surge de uma súbita viabilidade econômica ou de um avanço tecnológico revolucionário. Ele é artificial, inflado por US$ 80 bilhões de dinheiro público. O setor nuclear, que enfrentou décadas de estagnação precisamente por seus custos proibitivos e riscos inerentes, só “renasce” porque o Estado decidiu remover todo o risco do investimento para os operadores privados.
A “grande visão” de Trump, portanto, é uma em que o poder público atua como fiador ilimitado para os interesses do grande capital, neste caso, a aliança profunda entre o átomo (Westinghouse) e o algoritmo (Big Tech).
A natureza dessa aliança fica ainda mais evidente quando se analisam os detalhes do cronograma. O acordo, segundo um porta-voz da Westinghouse, está ligado a uma diretiva presidencial de maio que exige que 10 “novos grandes reatores com instalações totalmente projetadas estivessem em construção até 2030”.
Esta é uma meta de gastos, não de resultados. O plano é “agressivo” em sua alocação de capital, mas notavelmente vago em suas entregas. A própria Westinghouse, em seu comunicado, foi cautelosa e não especificou quando os novos reatores estariam, de fato, operacionais e conectados à rede.
O governo Trump está efetivamente assinando um cheque de US$ 80 bilhões para que as obras comecem, sem garantias firmes de quando a energia prometida — o pretexto para todo o investimento — realmente se materializará. É um arranjo perfeito para as empreiteiras e para a indústria nuclear: o financiamento é garantido e imediato, enquanto a responsabilidade pela entrega é diferida para um futuro indefinido.
Este megainvestimento não redefine a matriz energética; ele reafirma o velho modelo extrativista. O público é chamado a financiar uma infraestrutura de alto risco, não para o bem comum, mas para garantir que o motor da inteligência artificial — um motor que serve primariamente aos interesses de corporações privadas — continue funcionando sem interrupções.
Com informações de Europa Press*