No Brasil, há posições políticas para todos os gostos. A extrema-direita tenta colar em Lula a pecha de comunista e conspirador do Fórum de São Paulo, acusações ridículas que, embora não alcancem o grande público, constituem a base das críticas ideológicas do bolsonarismo. Contudo, também há críticas à esquerda, de que o governo Lula seria neoliberal, uma administração de direita. Esses setores, embora inexpressivos em termos de representação política, fazem barulho na internet e geram ruídos no debate, a ponto de, ironicamente, a extrema-direita se utilizar de forma cínica dessas críticas.
Qualquer comparação da política econômica de Lula com a de Bolsonaro e Paulo Guedes, porém, é pueril. Embora a macroeconomia não mude do dia para a noite, e qualquer governo precise ter políticas de controle da inflação, juros e câmbio, os objetivos e as prioridades são fundamentalmente distintos. É estranho que setores da esquerda ignorem a mudança tectônica que o governo Lula representa na mobilização de recursos para as famílias de baixa renda. Tratar os investimentos em programas sociais, saúde e educação como se não fizessem parte da política econômica é um equívoco.
Analisemos os dados do Tesouro Nacional. As despesas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), por exemplo, têm crescido de maneira expressiva. Nos últimos 12 meses até setembro de 2025, alcançaram R$ 126,4 bilhões, o maior nível da história. Como proporção do PIB, chegaram a 0,99%, também um recorde.
O mesmo ocorre com o Bolsa Família. Os gastos com o programa, que engloba o antigo Auxílio Brasil, saltaram para R$ 165,8 bilhões no acumulado de 12 meses até setembro de 2025, ou 1,30% do PIB. O recente refluxo nos gastos do programa é um sinal positivo, reflexo direto da melhora do mercado de trabalho. Segundo dados da PNAD Contínua divulgados hoje pelo IBGE, a taxa de desemprego atingiu a mínima histórica de 5,6%, enquanto o rendimento real habitual chegou ao recorde de R$ 3.507 por mês, com crescimento de 4% ao ano acima da inflação. Menos pessoas precisam do auxílio porque mais pessoas estão empregadas e com maior renda.
As despesas federais com Saúde, somando gastos obrigatórios e discricionários, também vêm crescendo de forma consistente, atingindo R$ 217,5 bilhões (1,71% do PIB) no acumulado até setembro de 2025. Na Educação, embora com oscilações, os gastos atuais de R$ 38,8 bilhões (0,30% do PIB) representam uma recuperação significativa em relação aos níveis do governo anterior.
O investimento na agricultura familiar, que era irrisório antes do primeiro mandato de Lula, novamente se destaca. As despesas com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) atingiram R$ 8,6 bilhões no acumulado de 12 meses até setembro de 2025, um crescimento real de 126,9% em relação a janeiro de 2019. E este é apenas um item do orçamento federal. O Plano Safra 2025/2026, lançado em junho pelo governo Lula, destinou um volume recorde de R$ 89 bilhões para a agricultura familiar, dos quais R$ 78,2 bilhões são especificamente para o PRONAF. Este valor representa um aumento de 47,5% em comparação com o último Plano Safra do governo Bolsonaro. Somando-se o Plano Safra 2024/2025 (R$ 76 bilhões) com o atual (R$ 89 bilhões), o governo Lula já destinou mais de R$ 165 bilhões à agricultura familiar em apenas dois anos, evidenciando a prioridade dada ao setor.
Uma análise mais atenta mostra que a chegada de Bolsonaro ao poder estagnou e derrubou os gastos sociais. Após uma distorção pontual na pandemia e um aumento eleitoreiro em 2022, o governo Lula não só reverteu a tendência de queda como usou os novos patamares como base para ampliar ainda mais os investimentos. Se fosse um governo de direita, teria promovido um retrocesso. Foi essa decisão política que permitiu ao Brasil sair novamente do mapa da fome.
Isso tudo ocorre com responsabilidade fiscal. Um governo de esquerda, que nada contra a maré dos mercados, precisa de um chão firme para governar com independência. Após um aumento do déficit em 2023 para pagar calotes deixados por Bolsonaro e conter a miséria, o resultado primário tem melhorado consistentemente. Em setembro de 2025, o déficit acumulado em 12 meses ficou em apenas 0,32% do PIB, abrindo espaço para mais investimentos.
Outro ponto em que a diferença entre os governos Lula e Bolsonaro é total é a questão geopolítica. Hoje em dia, pensar a política econômica sem considerar a geopolítica é absurdo, pois as duas coisas estão completamente interligadas. A postura independente e multilateral do governo Lula, em contraste com a subserviência de Bolsonaro aos Estados Unidos, resulta em uma relação comercial totalmente diferente com o mundo. Essa nova inserção internacional, por sua vez, abre caminho para uma política cambial distinta e gera perspectivas de investimento no Brasil completamente novas.
Os objetivos da política econômica de Lula são, portanto, o oposto do neoliberalismo: reduzir a desigualdade e elevar o poder aquisitivo das classes trabalhadoras. O desafio, agora, é criar as condições para os grandes investimentos em infraestrutura, sobretudo em mobilidade urbana sobre trilhos.