O encontro entre Xi Jinping e Donald Trump na Coreia do Sul consolidou a ascensão chinesa e expôs o fim da hegemonia absoluta dos Estados Unidos
A reunião desta semana na Coreia do Sul entre Xi Jinping e o volátil Donald Trump não foi apenas mais um encontro diplomático. Foi a consolidação de uma nova ordem mundial. Atrás dos sorrisos protocolares e apertos de mão, o que emergiu foi a imagem de uma China que se recusa a ser tratada como inferior, assumindo seu lugar como uma “rival de igual para igual” dos Estados Unidos. Mais do que isso, Pequim provou que a era da hegemonia unilateral de Washington acabou, demonstrando friamente sua capacidade de forçar o gigante americano a ceder em questões comerciais críticas.
O encontro marcou o primeiro contato presencial entre os dois líderes em seis anos, e o contexto não poderia ser mais simbólico. Enquanto Trump, figura emblemática da extrema-direita norte-americana, chegou com seu habitual discurso de confronto e supremacia, Xi Jinping veio com a serenidade de quem sabe que o equilíbrio de forças mudou. O presidente chinês buscava ativamente consolidar uma ligação pessoal com seu imprevisível homólogo americano, tendo como objetivo principal negociar um cessar-fogo na agressiva guerra comercial iniciada por Trump.
A mudança no equilíbrio de poder era palpável. Há quase uma década, a primeira ofensiva comercial de Trump pegou Pequim de surpresa. Desta vez, porém, o tiro saiu pela culatra. A Casa Branca encontrou uma China economicamente mais poderosa, estrategicamente mais bem preparada e pronta para a briga. O resultado: Trump, antes o agressor confiante, foi levado a um impasse, forçado a negociar para evitar danos maiores à sua própria economia.
Em uma jogada retórica magistral, Xi Jinping encontrou um ponto comum na aparentemente antagônica agenda “MAGA” (Make America Great Again) de Trump. O líder chinês traçou um paralelo direto com as ambições do Partido Comunista de restaurar a antiga glória da China, um projeto conhecido internamente como a “grande revitalização da nação chinesa”.
“Sempre acreditei que o desenvolvimento da China deve caminhar lado a lado com a sua visão de tornar a América grande novamente”, disse Xi a Trump durante a cúpula na quinta-feira.
Mas essa suposta “convergência” foi sustentada por uma demonstração de força econômica implacável. Desde que Trump anunciou suas tarifas do “dia da libertação” em abril, Pequim desmantelou a arrogância de Washington em pelo menos três ocasiões claras, paralisando medidas punitivas e arrastando os EUA de volta à mesa de negociações.
O primeiro confronto direto veio quando Trump impôs tarifas recíprocas de 145%. Pequim não hesitou: igualou as tarifas imediatamente, criando um cenário de dor mútua que forçou Washington a suspender as taxas.
Em seguida, o conflito escalou para os controles de exportação de terras raras, minerais cruciais para a indústria de alta tecnologia nos quais a China detém o monopólio de produção e refino. As regras chinesas ameaçaram paralisar setores vitais da indústria americana, levando a outra rodada desesperada de negociações por parte dos EUA.
O golpe final veio este mês. Depois que Washington, numa tentativa de sufocar o avanço tecnológico chinês, estendeu os controles de exportação de semicondutores a milhares de subsidiárias de empresas chinesas, Pequim respondeu com força total: anunciou novos e abrangentes controles sobre terras raras. O pânico em Washington foi imediato, levando os EUA a pressionarem por uma trégua.
A capitulação americana foi tão evidente que até o setor financeiro ocidental teve que reconhecê-la. O banco BNP Paribas afirmou em nota que Washington está finalmente aceitando “que agora está lidando com um rival de mesmo nível capaz de lhe causar danos econômicos materiais — uma posição relativamente nova para os EUA e um desenvolvimento que, pelo menos para nós, confirma a ascensão da China ao status de superpotência econômica global”.
Na quinta-feira, Xi Jinping cimentou essa noção de igualdade. Em uma metáfora poderosa, ele convidou Trump a juntar-se a ele para “navegar” no “gigantesco navio das relações China-EUA”. A mensagem era clara, quase uma ordem: “Você e eu estamos no comando das relações China-EUA”.
Sob essa nova dinâmica, os dois países concordaram em suspender por um ano os controles de exportação recentemente anunciados, bem como novas taxas sobre o transporte marítimo.
Notavelmente, os EUA tiveram que fazer concessões tarifárias: concordaram em reduzir em 10 pontos percentuais as tarifas sobre produtos chineses relacionados ao fentanil, diminuindo a taxa média para 45%. Em troca, Pequim, agora em posição de vantagem, concordou em retomar as compras de soja americana.
Zhao Minghao, professor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade de Fudan, em Xangai, analisou que a abordagem de Xi na cúpula marcou uma mudança fundamental na retórica. “A mensagem básica é que Pequim quer buscar uma convergência entre sua própria agenda ‘Tornar a China grande novamente’ e a agenda ‘Tornar a América grande novamente’ de Trump”, disse Zhao.
Segundo o professor, há espaço para cooperação, mas agora em novos termos. A China, focada em seu próximo plano quinquenal (2026-2030), precisa estimular a demanda interna — um sinal de que, enquanto negocia de igual para igual com o Ocidente, seu projeto de futuro depende, cada vez mais, de si mesma.
Essa nova postura chinesa não é apenas uma resposta à agressividade comercial de Washington, mas uma afirmação clara de que o mundo multipolar já não é uma possibilidade — é uma realidade. E nesse novo tabuleiro, a China não pede permissão para jogar; ela define as regras. Enquanto políticas de extrema-direita como as de Trump insistem em um nacionalismo retrógrado e isolacionista, Pequim oferece uma visão de desenvolvimento coletivo — ainda que competitivo — baseada em soberania, planejamento estatal e autonomia estratégica. Nesse confronto de paradigmas, o futuro parece estar do lado de quem constrói, e não de quem apenas impõe.
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Apesar da demonstração de força, a diplomacia chinesa também acenou com uma cenoura para o instável governo Trump. Zhao, da Universidade Fudan, indicou que a nova ênfase de Pequim na demanda interna pode, ironicamente, beneficiar os produtores americanos que Trump afirma defender.
“Isso significa que a China quer importar mais produtos americanos — mais produtos agrícolas americanos de boa qualidade, mais produtos energéticos, mais aviões da Boeing. Portanto, isso pode abrir oportunidades”, disse Zhao.
Contudo, ele fez uma ressalva que soou como um aviso direto a Washington: “No entanto, é necessário que haja relações políticas, de segurança e diplomáticas relativamente estáveis entre esses dois países.”
Essa abertura, longe de ser um sinal de submissão, é uma manobra calculada dentro de uma estratégia muito mais ampla. Enquanto Trump celebra acordos pontuais como vitórias eleitorais, Pequim joga xadrez em escala global — e sabe que o tabuleiro não se limita ao comércio agrícola ou às tarifas sobre o fentanil.
Autossuficiência como arma anti-imperialista
Mas seria um erro fatal confundir essa abertura tática com a estratégia de longo prazo de Pequim. O novo plano quinquenal da China, seu projeto econômico central, reforça com tinta indelével a importância de construir a “autossuficiência” total em indústrias de alta tecnologia, ciência e manufatura avançada.
Para o Partido Comunista, esta não é uma escolha, mas uma necessidade de sobrevivência.
Esta decisão é tomada apesar das queixas estridentes dos EUA sobre o suposto “excesso de oferta” em muitos setores chineses e a “falta de demanda interna”. Washington acusa Pequim de usar essa capacidade extra para inundar o mercado global com exportações baratas, “prejudicando outras economias” — um eufemismo para descrever o pânico americano ao ver seu modelo neoliberal ser superado pela eficiência do planejamento chinês.
Analistas lúcidos do Ocidente, no entanto, entendem o que realmente está em jogo. “Embora o plano enfatize o crescimento econômico e o consumo, ‘o tecnonacionalismo continua sendo a prioridade máxima'”, afirmou Gabriel Wildau, analista da Teneo, em nota.
Wildau decifra a lógica de Pequim: os líderes do partido não são ingênuos. Eles sabem que essa busca frenética pela soberania tecnológica gera “alguma sobrecapacidade e desperdício”. Mas, para eles, esse é “um preço que valia a pena pagar, ‘dadas as conquistas inegáveis dessa abordagem'”.
E que conquistas são essas? “Isso inclui a resiliência contra os controles de exportação dos EUA e a influência geopolítica decorrente do próprio domínio da China em terras raras, baterias e outras indústrias”, concluiu Wildau. Em suma: a China está quebrando as correntes do colonialismo tecnológico americano.
A batalha estratégica continua
É por isso que as novas tensões não são apenas prováveis; elas são estruturais e inevitáveis. Os acordos celebrados entre Xi e Trump na quinta-feira foram “relativamente restritos”. Na prática, eles apenas suspenderam medidas punitivas existentes, sem revogar absolutamente nada.
Ambos os lados estão apenas recarregando suas armas.
“Ambos os lados parecem estar mantendo poder de barganha para futuras negociações, utilizando essas medidas como moeda de troca”, analisou Chaoping Zhu, estrategista de mercado global da JPMorgan Asset Management, sediado em Xangai. “Persistem as concorrências comerciais e tecnológicas mais amplas. Embora a cúpula tenha estabilizado as expectativas de curto prazo, ainda existem diferenças significativas”.
Essas diferenças vão muito além de tarifas e semicondutores. Os dois gigantes permanecem em rota de colisão frontal sobre questões geopolíticas fundamentais, onde a soberania nacional e a influência global são disputadas: desde as provocações dos EUA em relação a Taiwan e as reivindicações da China no Mar da China Meridional, até o apoio de Pequim à Rússia na guerra por procuração da OTAN na Ucrânia.
Zhao, da Universidade Fudan, resumiu o encontro com precisão cirúrgica: “Esta cúpula só pode trazer uma distensão tática, e não uma redefinição estratégica das relações entre os EUA e a China.”
Ninguém nega que, globalmente, os EUA ainda mantêm uma vantagem militar e financeira. Han Shen Lin, diretor da consultoria americana The Asia Group para a China, aponta para o controle do país sobre “tecnologias fundamentais”, como chips de ponta, seu gigantesco mercado consumidor, o status do dólar como moeda de reserva e sua vasta rede de nações aliadas (ou satélites).
No entanto, o próprio analista admite que essa preeminência está “um pouco desgastada”.
A China, por outro lado, entende que esta é uma maratona, não uma corrida de 100 metros. Ela está “jogando a longo prazo”, disse Han, usando seu mercado interno colossal como um “amortecedor” contra os choques externos e seu domínio absoluto nos setores de manufatura e minerais críticos como sua principal alavanca.
A conclusão é um alerta sombrio para a Casa Branca. “Embora os EUA possam ditar o ritmo e a pressão do conflito no curto prazo, a China está se preparando para uma luta prolongada”, disse Han. “Não se trata tanto de quem tem a ‘vantagem’ agora, mas sim de quem está melhor posicionado para uma disputa de longo prazo.”
E nessa disputa, a China não busca simplesmente substituir os EUA como hegemônico — busca construir um mundo multipolar onde o poder não é imposto por sanções, bases militares ou dívida externa, mas negociado entre nações soberanas. Enquanto Trump e seus herdeiros políticos insistem em um nacionalismo agressivo e em um imperialismo disfarçado de “defesa da liberdade”, Pequim avança com paciência histórica, sabendo que o futuro pertence àqueles que constroem, não àqueles que apenas ameaçam. A trégua de hoje é apenas uma pausa estratégica. A batalha pelo século XXI mal começou.
Com informações de Financial Times*