Alesp reforça lógica do confronto com verba para PM de SP

Agência de Notícias do Governo do Estado de São Paulo

A corporação militar recebeu R$ 12 milhões a mais dos parlamentares do que a Polícia Civil

A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM-SP) recebeu mais de R$ 20 milhões em emendas de deputados estaduais da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) entre 2023 e outubro de 2025. O montante foi destinado à corporação via emendas impositivas dos parlamentares, sendo, portanto, valores extras ao orçamento previsto pelo Executivo no processo de envio da Lei Orçamentária Anual (LOA), apresentada pelo governador até o fim de setembro de cada ano.

O valor destinado à PM é cerca de 50% maior do que os R$ 8,27 milhões recebidos pela Polícia Civil de São Paulo (PC-SP) no mesmo período. Em 2025, parte considerável dessas verbas foi enviada pelo deputado estadual Guto Zacarias (União), que destinou R$ 550 mil para a compra de equipamentos e materiais para a Polícia Militar da região da Vila Mariana, na zona sul da capital. O Partido Liberal (PL) destinou R$ 575 mil em cinco emendas, o Partido dos Trabalhadores (PT) R$ 240 mil em duas, e o Progressistas (PP) R$ 250 mil também em duas. No total, 13 emendas deste ano estão registradas no portal da transparência da Alesp.

Em 2024, os deputados encaminharam R$ 9,81 milhões à PM-SP, enquanto a Polícia Civil recebeu R$ 3,31 milhões. No ano anterior, 2023, a PM-SP recebeu R$ 8,47 milhões em emendas, contra R$ 2,17 milhões destinados à PC-SP.

Entre as emendas, destacam-se os repasses do deputado Frederico D’Avila (PL), que destinou R$ 450 mil para a compra de armas, e de Gil Diniz (PL), que encaminhou R$ 300 mil para a aquisição de equipamentos e armamentos ao 36º Batalhão de Polícia Militar do Interior, em Limeira. A reportagem procurou as lideranças do PL e do PT para comentar a destinação das emendas impositivas, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O deputado Guto Zacarias informou que a emenda, no valor de R$ 550 mil, está sendo utilizada para compra dos seguintes equipamentos: capa de colete tático, kits de Atendimento Pré-Hospitalar (APH) tático e equipamentos de academia para treinamento do efetivo.

Lógica do confronto

Para Felippe Angeli, coordenador de advocacy da Plataforma Justa, a primazia dos investimentos na PM-SP revela que o modelo de policiamento em São Paulo é “orientado pela lógica do confronto, em detrimento de ações policiais associadas à polícia técnico-científica, perícias ou investigações”.

Segundo ele, essa escolha tem impactos diretos sobre a elucidação de crimes complexos. “Homicídios, receptação, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro dependem de investigação. Não se combate esses crimes apenas com flagrantes. É o modelo de segurança pública em que estamos investindo.”

Na mesma linha, a deputada Paula Nunes (Psol-SP) avalia que a diferença nas emendas reflete uma postura política de parlamentares que “apostam em um modelo de segurança pública que privilegia o policiamento ostensivo em detrimento do investigativo”, o que, segundo ela, é um modelo “altamente falido”.

A deputada defende mais estrutura para a Polícia Civil, especialmente para ampliar o funcionamento das Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) 24 horas por dia, sete dias por semana. “Quem vai garantir orçamento para isso? Os deputados vão pensar em destinações orçamentárias que garantam esse funcionamento? Há interesse da Secretaria de Segurança Pública em investir nisso? Eu digo que não”, afirmou.

Paula Nunes também critica a postura da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), que, segundo ela, fortalece a PM em detrimento da Polícia Civil. “Inclusive elaborando normativas que retiram competências da Polícia Civil, como lavrar boletins de ocorrência, algo que o secretário [Guilherme] Derrite tentou transferir para a Polícia Militar”, disse.

Mais orçamento para a PM que para Polícia Civil

A diferença entre as corporações também aparece nas propostas de Lei Orçamentária Estadual (LOA) recentes. Entre 2024 e 2025, o orçamento da SSP-SP aumentou 11%, passando de R$ 18,62 bilhões para R$ 20,66 bilhões. A Polícia Militar foi novamente a mais beneficiada, com crescimento de 13%, indo de R$ 10,81 bilhões para R$ 12,22 bilhões.

A Polícia Civil teve aumento de 9% (de R$ 5,99 bilhões para R$ 6,53 bilhões), enquanto a Superintendência da Polícia Técnico-Científica registrou apenas 0,3% de crescimento, de R$ 970 milhões para R$ 972 milhões.

Na proposta de 2026, o crescimento geral da SSP-SP será menor, de 2,8%, alcançando R$ 21,25 bilhões. A Polícia Civil terá aumento de 2,9% (R$ 6,53 bilhões para R$ 6,73 bilhões), e a PM novamente lidera com 4% de alta (R$ 12,22 bilhões para R$ 12,71 bilhões). Já a Polícia Técnico-Científica segue com avanço tímido, de apenas 0,4%, passando para R$ 976 milhões.

Os dados evidenciam que, mesmo com o crescimento do orçamento total, a Polícia Militar continua sendo a principal prioridade financeira do governo estadual, enquanto a Polícia Técnico-Científica enfrenta dificuldade para ampliar seus recursos.

“Pela primeira vez na história de São Paulo, temos um secretário da Segurança que é PM”, destaca Angeli, referindo-se a Guilherme Muraro Derrite. Ele atribui também motivações políticas à concentração de verbas. “A Polícia Militar, por natureza, tem mais visibilidade, o que reforça o discurso político de atores que buscam votos. Dá para falar em privilégio.”

Influência política e desequilíbrio nos investimentos

Para Angeli, os números demonstram o poder de influência da corporação. “Existem estruturas organizadas dentro da PM voltadas à incidência política, com oficiais destacados na Assembleia e bancadas policiais atuantes.”

O ouvidor das polícias de São Paulo, Mauro Caseri, considera que as emendas parlamentares são bem-vindas, mas questiona sua distribuição. “O investimento é baixo em armas de menor letalidade, e o montante destinado às câmeras corporais é insuficiente. As consequências dessa má distribuição aparecem na Polícia Civil, que enfrenta falta de efetivo, distritos em condições precárias e recursos escassos para a polícia científica.”

Um estudo do Justa, intitulado “O funil de investimento da segurança pública e sistema prisional em 2024”, mostra que as polícias paulistas tiveram um orçamento total de R$ 16,8 bilhões em 2024. Desse valor, R$ 11,1 bilhões (65,8%) foram para a PM-SP, R$ 4,8 bilhões (28,5%) para a PC-SP e apenas R$ 794 milhões (4,7%) para a Polícia Técnico-Científica.

Bonificação por resultados e falta de transparência

Além do orçamento robusto, a PM-SP também recebe valores expressivos em bônus. Dados obtidos pela Ponte Jornalismo mostram que, apenas entre janeiro e o início de junho de 2025, policiais militares receberam R$ 827 milhões em bonificações por resultados, o equivalente a 30,5% do total distribuído pelo governo estadual. Embora representem 15,8% dos servidores do Estado (82 mil de um total de 519 mil), os PMs concentram uma fatia desproporcional dos bônus pagos.

A reportagem aponta ainda que não há transparência sobre quem recebe as bonificações ou quanto é pago a cada servidor. Segundo a Ponte, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem feito os pagamentos com base em metas definidas apenas após o período de avaliação. Desde o início do mandato, o governador já distribuiu R$ 2,71 bilhões em “bonificação por resultados” para os militares.

Recentemente, a Alesp aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLC) 45/2024, de autoria do deputado estadual Major Mecca (PL), ex-integrante da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). O texto prevê a fixação, em lei, de um prazo para o pagamento das bonificações. Para permitir a tramitação, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa transformou o projeto em proposição “autorizativa”, dispensando a necessidade de iniciativa exclusiva do governador.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública disse que a Polícia Militar do Estado de São Paulo conta com um efetivo de aproximadamente 82 mil profissionais, responsáveis pelo policiamento ostensivo e preventivo em todos os 645 municípios paulistas, 24 horas por dia. “Essa atuação territorial e ininterrupta exige custos maiores com pessoal, frota, equipamentos e logística, o que justifica um orçamento proporcionalmente maior.”

A pasta disse que o Governo de São Paulo tem feito investimentos expressivos para o fortalecimento da Polícia Civil, como a entrega de novas viaturas, armas e a conclusão de 46 reformas de delegacias, com investimento total de R$ 120,4 milhões. Além disso, a atual gestão disse que nomeou “mais de 3,4 mil novos policiais civis formados, entre delegados, investigadores e escrivães.”

Em relação à Polícia Técnico-Científica, o Estado alegou que foram “formados 226 novos servidores técnico-científicos, entre peritos criminais, médicos-legistas, desenhistas e atendentes de necrotério.”

Publicado originalmente pelo Brasil de Fato em 03/11/2025

Por Beatriz Drague Ramos – São Paulo (SP)

Edição: Luís Indriunas

Redação:
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