As ilusões americanas sobre as chances de alcançar a China no setor de terras raras

Enquanto autoridades e investidores nos Estados Unidos falam em “independência estratégica” e prometem romper a dependência de insumos chineses em poucos anos, especialistas alertam: a distância tecnológica e industrial que separa Washington de Pequim no setor de terras raras é, hoje, praticamente intransponível.

O investidor e analista Arnaud Bertrand, em artigo publicado no Substack, sintetizou o que muitos economistas vêm afirmando há tempos: “É fisicamente impossível que os Estados Unidos quebrem o domínio chinês em um ou dois anos, mesmo que trilhões de dólares fossem dedicados à tarefa.”

Três décadas de vantagem chinesa

A China levou cerca de 30 anos para construir o complexo industrial que hoje a coloca no centro da cadeia global de minerais estratégicos. Desde os anos 1990, o país investe maciçamente em mineração, refinamento e processamento de metais como gálio, índio e neodímio — elementos essenciais para a fabricação de semicondutores, painéis solares, turbinas eólicas e armamentos de alta precisão.

Durante o mesmo período, os Estados Unidos reduziram suas operações de mineração e processamento por razões ambientais e econômicas, terceirizando etapas industriais que consideravam de baixo valor agregado. O resultado foi o esvaziamento de um ecossistema produtivo que demora décadas para ser reconstruído.

O caso do gálio: uma cadeia industrial impossível de replicar rapidamente

O exemplo do gálio, citado por Bertrand, ilustra a magnitude do desafio. Para produzir esse metal em larga escala, é preciso antes dispor de uma poderosa indústria de alumínio, já que o gálio é um subproduto da alumina e são necessários cerca de 120 mil quilos de alumina para obter apenas um quilo de gálio.

A China domina a produção global de alumínio e de energia barata para alimentá-la. Recriar essa estrutura em outro país exigiria dezenas de usinas de grande porte, vastas redes de fornecimento, mão de obra altamente qualificada e uma base energética comparável. Realisticamente, isso levaria décadas, não anos.

O mesmo vale para o índio, outro metal sob controle chinês, que é subproduto do refino de cobre. Para obtê-lo de forma competitiva, seria necessário reconstruir toda a cadeia de refino de cobre — outro setor em que a China também lidera.

A “corrida” americana e o discurso político

Apesar dessas barreiras físicas e econômicas, figuras públicas nos EUA, como o investidor Scott Bessent, insistem que o país poderia “romper o domínio chinês” em apenas “um ou dois anos”. Essa narrativa serve mais a propósitos políticos do que industriais, buscando demonstrar força diante de um eleitorado sensível à rivalidade sino-americana.

Editorialistas do Wall Street Journal trataram as recentes restrições chinesas à exportação de certos minerais como uma “surpresa”, mas vale lembrar que Pequim vem preparando esse movimento há três décadas. A política de restrições seletivas integra uma estratégia de longo prazo para garantir que setores de alta tecnologia permaneçam sob controle doméstico.

O realismo dos especialistas

Hoje, mesmo com os planos de “desrisking” promovidos por Washington e seus aliados, a dependência da China em insumos estratégicos segue praticamente intacta. Minerais críticos processados no país abastecem mais de 70% da cadeia global, e não há, até o momento, infraestrutura equivalente em nenhum outro lugar do mundo.

Para Bertrand, qualquer tentativa de “substituir” a China rapidamente ignora leis básicas da física, da economia e da engenharia industrial. “O domínio chinês nas terras raras”, escreveu ele, “é uma carta excepcionalmente forte, e continuará a ser por um tempo muito, muito longo, por mais que políticos americanos tentem alimentar ilusões contrárias.”

Lucas Allabi: Jornalista em formação pela PUC-SP e apaixonado pelo Sul Global. Escreve principalmente sobre política e economia. Instagram: @lu.allab
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