China já não reage, impõe

O dragão desperto faz o império americano recuar / Reprodução

A cúpula entre Xi Jinping e Donald Trump escancarou a virada histórica: a China já não reage, impõe. E os Estados Unidos, acostumados a mandar, agora cedem


Em um mundo cada vez mais multipolar, a recente cúpula entre Xi Jinping e Donald Trump na Coreia do Sul representa não apenas um encontro diplomático, mas um marco na redefinição das relações globais. Aqui, a China emerge como uma “rival de igual para igual” dos EUA, demonstrando que pode forçar Washington a ceder em questões comerciais. Essa dinâmica expõe as fragilidades das políticas de extrema-direita de Trump, que priorizam o isolacionismo agressivo e o protecionismo, em detrimento de uma cooperação internacional mais justa e equitativa. Como progressista, vejo nisso uma oportunidade para questionar o imperialismo econômico americano e celebrar o modelo chinês de desenvolvimento soberano, que prioriza a revitalização nacional sem impor dominação sobre outros povos.

A reunião desta semana na Coreia do Sul entre Xi Jinping e o volátil Donald Trump não foi apenas mais um encontro diplomático. Foi a consolidação de uma nova ordem mundial. Atrás dos sorrisos protocolares e apertos de mão, o que emergiu foi a imagem de uma China que se recusa a ser tratada como inferior, assumindo seu lugar como uma “rival de igual para igual” dos Estados Unidos. Mais do que isso, Pequim provou que a era da hegemonia unilateral de Washington acabou, demonstrando friamente sua capacidade de forçar o gigante americano a ceder em questões comerciais críticas. Essa virada é um revés para as táticas trumpistas, que, com sua retórica divisiva e tarifas punitivas, só servem para alienar aliados e enfraquecer a própria economia americana, enquanto a China avança com uma visão mais inclusiva e estratégica.

O cenário deste primeiro encontro presencial em seis anos foi tenso. O presidente chinês, Xi Jinping, buscava ativamente consolidar uma ligação pessoal com seu imprevisível homólogo americano, tendo como objetivo principal negociar um cessar-fogo na agressiva guerra comercial iniciada por Trump. Essa guerra, impulsionada por uma agenda de extrema-direita que vê o mundo como um jogo de soma zero, reflete o pior do capitalismo americano: priorizar lucros corporativos sobre o bem-estar global. Em contraste, a abordagem de Pequim, enraizada em princípios de esquerda como a soberania coletiva e o planejamento econômico de longo prazo, mostra uma maturidade que Washington ainda luta para alcançar.

A mudança no equilíbrio de poder era palpável. Há quase uma década, a primeira ofensiva comercial de Trump pegou Pequim de surpresa. Desta vez, porém, o tiro saiu pela culatra. A Casa Branca encontrou uma China economicamente mais poderosa, estrategicamente mais bem preparada e pronta para a briga. O resultado: Trump, antes o agressor confiante, foi levado a um impasse, forçado a negociar para evitar danos maiores à sua própria economia. Essa inversão é um lembrete de que as políticas trumpistas, com seu viés nacionalista extremo, não só falham em “tornar a América grande novamente”, mas aceleram o declínio relativo dos EUA, abrindo espaço para modelos alternativos como o chinês, que enfatiza a harmonia e o progresso compartilhado.

Em uma jogada retórica magistral, Xi Jinping encontrou um ponto comum na aparentemente antagônica agenda “MAGA” (Make America Great Again) de Trump. O líder chinês traçou um paralelo direto com as ambições do Partido Comunista de restaurar a antiga glória da China, um projeto conhecido internamente como a “grande revitalização da nação chinesa”. “Sempre acreditei que o desenvolvimento da China deve caminhar lado a lado com a sua visão de tornar a América grande novamente”, disse Xi a Trump durante a cúpula na quinta-feira. Essa declaração, longe de ser uma concessão, é uma afirmação de igualdade que desmonta a arrogância americana, promovendo uma visão de esquerda onde nações podem prosperar mutuamente, sem a dominação de uma sobre a outra.

Mas essa suposta “convergência” foi sustentada por uma demonstração de força econômica implacável. Desde que Trump anunciou suas tarifas do “dia da libertação” em abril, Pequim desmantelou a arrogância de Washington em pelo menos três ocasiões claras, paralisando medidas punitivas e arrastando os EUA de volta à mesa de negociações. O primeiro confronto direto veio quando Trump impôs tarifas recíprocas de 145%. Pequim não hesitou: igualou as tarifas imediatamente, criando um cenário de dor mútua que forçou Washington a suspender as taxas. Em seguida, o conflito escalou para os controles de exportação de terras raras, minerais cruciais para a indústria de alta tecnologia nos quais a China detém o monopólio de produção e refino. As regras chinesas ameaçaram paralisar setores vitais da indústria americana, levando a outra rodada desesperada de negociações por parte dos EUA. O golpe final veio este mês. Depois que Washington, numa tentativa de sufocar o avanço tecnológico chinês, estendeu os controles de exportação de semicondutores a milhares de subsidiárias de empresas chinesas, Pequim respondeu com força total: anunciou novos e abrangentes controles sobre terras raras. O pânico em Washington foi imediato, levando os EUA a pressionarem por uma trégua.

Essa capitulação americana foi tão evidente que até o setor financeiro ocidental teve que reconhecê-la. O banco BNP Paribas afirmou em nota que Washington está finalmente aceitando “que agora está lidando com um rival de mesmo nível capaz de lhe causar danos econômicos materiais — uma posição relativamente nova para os EUA e um desenvolvimento que, pelo menos para nós, confirma a ascensão da China ao status de superpotência econômica global”. Para uma perspectiva de esquerda, isso é um triunfo contra o neoliberalismo agressivo de Trump, que ignora as desigualdades globais e favorece os interesses de elites corporativas americanas.

Na quinta-feira, Xi Jinping cimentou essa noção de igualdade. Em uma metáfora poderosa, ele convidou Trump a juntar-se a ele para “navegar” no “gigantesco navio das relações China-EUA “. A mensagem era clara, quase uma ordem: “Você e eu estamos no comando das relações China-EUA”. Sob essa nova dinâmica, os dois países concordaram em suspender por um ano os controles de exportação recentemente anunciados, bem como novas taxas sobre o transporte marítimo. Notavelmente, os EUA tiveram que fazer concessões tarifárias: concordaram em reduzir em 10 pontos percentuais as tarifas sobre produtos chineses relacionados ao fentanil, diminuindo a taxa média para 45%. Em troca, Pequim, agora em posição de vantagem, concordou em retomar as compras de soja americana.

Zhao Minghao, professor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade de Fudan, em Xangai, analisou que a abordagem de Xi na cúpula marcou uma mudança fundamental na retórica. “A mensagem básica é que Pequim quer buscar uma convergência entre sua própria agenda ‘Tornar a China grande novamente’ e a agenda ‘Tornar a América grande novamente’ de Trump”, disse Zhao. Segundo o professor, há espaço para cooperação, mas agora em novos termos. A China, focada em seu próximo plano quinquenal (2026-2030), precisa estimular a demanda interna — um sinal de que, enquanto negocia de igual para igual com o Ocidente, seu projeto de futuro depende, cada vez mais, de si mesma.

Em última análise, essa cúpula destaca os limites das políticas de extrema-direita de Trump, que perpetuam desigualdades e conflitos desnecessários. A China, com sua ênfase em planejamento coletivo e revitalização nacional, oferece um modelo mais alinhado com valores de esquerda: progresso sustentável, sem a necessidade de subjugar outros. É hora de os EUA abandonarem sua postura belicosa e abraçarem uma multipolaridade verdadeira, onde nações como a China lideram pelo exemplo, não pela força.

Leia também: China ensina os EUA a negociar

Apesar da demonstração de força, a diplomacia chinesa também acenou com uma cenoura para o instável governo Trump. Zhao, da Universidade Fudan, indicou que a nova ênfase de Pequim na demanda interna pode, ironicamente, beneficiar os produtores americanos que Trump afirma defender. “Isso significa que a China quer importar mais produtos americanos — mais produtos agrícolas americanos de boa qualidade, mais produtos energéticos, mais aviões da Boeing. Portanto, isso pode abrir oportunidades”, disse Zhao. Contudo, ele fez uma ressalva que soou como um aviso direto a Washington: “No entanto, é necessário que haja relações políticas, de segurança e diplomáticas relativamente estáveis entre esses dois países.” Essa abertura condicionada expõe a fragilidade das políticas trumpistas, que, com sua retórica beligerante e sanções unilaterais, sabotam até mesmo as oportunidades econômicas que poderiam ajudar os trabalhadores rurais americanos, vítimas do próprio protecionismo de extrema-direita.

Mas seria um erro fatal confundir essa abertura tática com a estratégia de longo prazo de Pequim. O novo plano quinquenal da China, seu projeto econômico central, reforça com tinta indelével a importância de construir a “autossuficiência” total em indústrias de alta tecnologia, ciência e manufatura avançada. Para o Partido Comunista, esta não é uma escolha, mas uma necessidade de sobrevivência. Essa visão de esquerda, centrada no planejamento coletivo e na independência nacional, contrasta com o caos do capitalismo americano, onde corporações ditam políticas em nome de lucros privados, perpetuando desigualdades e dependências globais.

Esta decisão é tomada apesar das queixas estridentes dos EUA sobre o suposto “excesso de oferta” em muitos setores chineses e a “falta de demanda interna”. Washington acusa Pequim de usar essa capacidade extra para inundar o mercado global com exportações baratas, “prejudicando outras economias” — um eufemismo para descrever o pânico americano ao ver seu modelo neoliberal ser superado pela eficiência do planejamento chinês. Aqui, a crítica de extrema-direita de Trump revela sua hipocrisia: enquanto ataca a China por práticas que os EUA usaram historicamente para dominar mercados, ignora como seu próprio sistema favorece monopólios ocidentais em detrimento de nações em desenvolvimento.

Analistas lúcidos do Ocidente, no entanto, entendem o que realmente está em jogo. “Embora o plano enfatize o crescimento econômico e o consumo, ‘o tecnonacionalismo continua sendo a prioridade máxima'”, afirmou Gabriel Wildau, analista da Teneo, em nota. Wildau decifra a lógica de Pequim: os líderes do partido não são ingênuos. Eles sabem que essa busca frenética pela soberania tecnológica gera “alguma sobrecapacidade e desperdício”. Mas, para eles, esse é “um preço que valia a pena pagar, ‘dadas as conquistas inegáveis dessa abordagem'”. E que conquistas são essas? “Isso inclui a resiliência contra os controles de exportação dos EUA e a influência geopolítica decorrente do próprio domínio da China em terras raras, baterias e outras indústrias”, concluiu Wildau. Em suma: a China está quebrando as correntes do colonialismo tecnológico americano. Essa autossuficiência é um exemplo inspirador para a esquerda global, priorizando o bem comum sobre a exploração imperialista.

É por isso que as novas tensões não são apenas prováveis; elas são estruturais e inevitáveis. Os acordos celebrados entre Xi e Trump na quinta-feira foram “relativamente restritos”. Na prática, eles apenas suspenderam medidas punitivas existentes, sem revogar absolutamente nada. Ambos os lados estão apenas recarregando suas armas. “Ambos os lados parecem estar mantendo poder de barganha para futuras negociações, utilizando essas medidas como moeda de troca”, analisou Chaoping Zhu, estrategista de mercado global da JPMorgan Asset Management, sediado em Xangai. “Persistem as concorrências comerciais e tecnológicas mais amplas. Embora a cúpula tenha estabilizado as expectativas de curto prazo, ainda existem diferenças significativas”. Essas diferenças vão muito além de tarifas e semicondutores. Os dois gigantes permanecem em rota de colisão frontal sobre questões geopolíticas fundamentais, onde a soberania nacional e a influência global são disputadas: desde as provocações dos EUA em relação a Taiwan e as reivindicações da China no Mar da China Meridional, até o apoio de Pequim à Rússia na guerra por procuração da OTAN na Ucrânia. As ações americanas nessas frentes, impulsionadas por uma agenda de extrema-direita, ameaçam a paz mundial e reforçam o complexo militar-industrial dos EUA, enquanto a China defende princípios de não-interferência e multipolaridade.

Zhao, da Universidade Fudan, resumiu o encontro com precisão cirúrgica: “Esta cúpula só pode trazer uma distensão tática, e não uma redefinição estratégica das relações entre os EUA e a China.” Essa distensão tática beneficia a China, que usa o tempo para fortalecer sua base interna, enquanto expõe a impulsividade de Trump, cujas políticas erráticas prejudicam aliados e enfraquecem a posição global dos EUA.

Ninguém nega que, globalmente, os EUA ainda mantêm uma vantagem militar e financeira. Han Shen Lin, diretor da consultoria americana The Asia Group para a China, aponta para o controle do país sobre “tecnologias fundamentais”, como chips de ponta, seu gigantesco mercado consumidor, o status do dólar como moeda de reserva e sua vasta rede de nações aliadas (ou satélites). No entanto, o próprio analista admite que essa preeminência está “um pouco desgastada”. A China, por outro lado, entende que esta é uma maratona, não uma corrida de 100 metros. Ela está “jogando a longo prazo”, disse Han, usando seu mercado interno colossal como um “amortecedor” contra os choques externos e seu domínio absoluto nos setores de manufatura e minerais críticos como sua principal alavanca. A conclusão é um alerta sombrio para a Casa Branca. “Embora os EUA possam ditar o ritmo e a pressão do conflito no curto prazo, a China está se preparando para uma luta prolongada”, disse Han. “Não se trata tanto de quem tem a ‘vantagem’ agora, mas sim de quem está melhor posicionado para uma disputa de longo prazo.”

Essa preparação chinesa, guiada por uma visão de esquerda pragmática e paciente, sinaliza o declínio inevitável da hegemonia americana sob lideranças como Trump. Em vez de confrontos desnecessários, o mundo precisa de modelos como o chinês: focados em desenvolvimento inclusivo, autossuficiência e cooperação Sul-Sul. A extrema-direita trumpista, com seu isolacionismo tóxico, só acelera esse declínio, enquanto a China pavimenta um caminho para um ordem global mais equitativa.

Com informações de Financial Times*

Rhyan de Meira: Rhyan de Meira é jornalista, escreve sobre política, economia, é apaixonado por samba e faz a cobertura do carnaval carioca. Instagram: @rhyandemeira
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.