O esvaziamento da Cúpula UE-CELAC em Santa Marta revela o receio europeu em contrariar a agenda agressiva de Washington para a América Latina, sacrificando a cooperação birregional
O que deveria ser um momento histórico de cooperação entre dois continentes transformou-se em um retrato do desdém e da subserviência. A Cúpula entre a União Europeia (UE) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), marcada para os dias 9 e 10 de novembro em Santa Marta, Colômbia, ruiu antes mesmo de começar. A razão, segundo fontes diplomáticas, é um boicote velado e constrangedor: os principais líderes europeus temem irritar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A lista de ausências é encabeçada por figuras de proa da Europa. O chanceler alemão, Friedrich Merz, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, dois pilares da política do bloco, decidiram não comparecer.
O motivo do receio europeu é a postura cada vez mais beligerante de Washington na região. A cúpula na Colômbia já estava sob escrutínio da Casa Branca, que mira abertamente países como a Venezuela e a própria nação anfitriã. O governo Trump tem intensificado suas ameaças militares contra a Venezuela e, em um ato recente de clara ingerência na soberania regional, sancionou o presidente colombiano Gustavo Petro.
É neste cenário de pressão explícita que a Europa opta pela omissão. A baixa adesão é um sintoma direto dessa escolha política. Fontes familiarizadas com o planejamento da cúpula confirmam um cenário desolador: apenas cinco líderes europeus e míseros três líderes latino-americanos e caribenhos confirmaram presença no encontro. Um fracasso diplomático retumbante, onde a sombra de Washington se provou maior que a autonomia de Bruxelas.
Questionado sobre a ausência de Friedrich Merz, seu porta-voz, Stefan Kornelius, recorreu a um comunicado protocolar, quase circular, para justificar a decisão. Em nota enviada por e-mail, Kornelius afirmou que o chanceler não planeja comparecer devido à “baixa participação de outros chefes de Estado e de governo”. A declaração ignora convenientemente que a ausência de líderes do peso de Merz é, justamente, a causa central do esvaziamento que ele alega.
A Comissão Europeia, braço executivo da UE e comandada por Von der Leyen, adotou uma postura ainda mais reveladora: o silêncio. Nenhum porta-voz respondeu de imediato aos pedidos de comentário sobre o abandono da cúpula.
O que se perde com essa manobra é a oportunidade de debater o futuro de uma relação que, no papel, é colossal. Juntos, os 50 países da UE e da CELAC representam 21% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Na agenda oficial, agora esvaziada, estavam temas cruciais como o fortalecimento das relações comerciais e estratégias conjuntas de combate ao crime organizado.
Este não é um incidente isolado, mas parte de uma tendência de desestabilização regional impulsionada pelos EUA. A turbulência política é crescente. Na segunda-feira, a República Dominicana anunciou o adiamento de outra importante reunião de líderes de toda a América, que seria realizada no país. O motivo? A escalada de tensões com a Venezuela, exacerbada por ataques militares dos EUA contra embarcações na região, que dividem o continente.
Ironicamente, enquanto a UE vira as costas para o diálogo direto em Santa Marta, seus burocratas em Bruxelas correm contra o tempo. A União Europeia ainda nutre a esperança de finalizar o acordo comercial com o Mercosul, o bloco das nações sul-americanas, até o final do ano. Resta saber se sobrará algum capital político ou confiança mútua para assinar acordos com parceiros que acabaram de ser preteridos em favor da agenda agressiva de Donald Trump.