Fabiano Contarato defende que segurança não tem lado político na CPI do Crime Organizado

A CPI começa sob críticas e luto, mas também com um apelo: transformar a tragédia em política pública antes que o país se acostume ao horror / Reprodução

Alessandro Vieira, relator, rejeita o papel de “xerife” e promete uma apuração técnica sobre a infiltração do crime em todas as esferas do poder


Em um clima pesado, marcado pela repercussão de uma das operações de segurança mais letais da história recente do Rio de Janeiro, o Senado Federal instalou nesta terça-feira (04) a CPI do Crime Organizado. A comissão, que nasce com a missão de mergulhar na estrutura das facções que desafiam o Estado, será comandada por dois homens com longa experiência na área: o senador Fabiano Contarato (PT-ES), eleito presidente, e o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), designado relator.

A instalação ocorre apenas uma semana após uma megaoperação das forças de segurança fluminenses contra o Comando Vermelho (CV) resultar em 121 mortes, incluindo a de quatro policiais. É sobre esse rastro de sangue que Contarato, um delegado de polícia com 27 anos de carreira, busca estabelecer o tom dos trabalhos.

“Eu tenho certeza que o Senado Federal (…) vai ter a sobriedade, a serenidade para não se transformar em um palco de demonstração, de pirotecnia ou discursos políticos”, afirmou Contarato logo após ser eleito.

Para o novo presidente da CPI, o debate sobre segurança pública foi sequestrado por narrativas fáceis, enquanto a realidade da população é de abandono. “Quando o Estado não está presente, o medo se impõe e aí a população é que sofre”, diagnosticou.

Em uma fala de forte apelo humano, Contarato criticou o que chamou de “comodidade” daqueles que, cercados de privilégios, julgam a população subjugada pelo crime. “É muito cômodo para quem fica nas suas casas, com segurança, com alimentação, com plano de saúde, com saneamento básico (…) e tentar julgar aqueles que estão lá, onde o Estado não está presente.”

O senador, que também é professor de direito penal, insistiu que a segurança é um dever constitucional e que o Parlamento não pode mais “ficar deitado eternamente em berço esplêndido” enquanto o cidadão comum não tem a garantia de que voltará para casa.

A CPI, no entanto, já começa sob fogo cruzado. A oposição criticou duramente o fato de que partidos da base governista, incluindo o PT de Contarato, majoritariamente não assinaram o requerimento de criação da comissão. Agora, no momento da instalação, o PT não só indicou como elegeu o presidente.

Contarato não fugiu da pergunta e classificou a crítica como “legítima” e parte do “papel da oposição”. Ele se justificou, afirmando que o governo tem inúmeras pautas prioritárias, como economia e geração de emprego, e que ele, pessoalmente, já havia comprometido sua assinatura com outra investigação, a CPMI da fraude no INSS.

O presidente da CPI fez questão de prometer “total isenção e imparcialidade”, argumentando que a segurança pública não pode ser uma bandeira ideológica.

“Segurança Pública não tem que ser uma pauta apenas de direita. Ela tem que ser uma pauta de todos nós”, declarou.

Como prova de seu compromisso para além do espectro partidário, Contarato citou um projeto de lei de sua autoria que visa aumentar o tempo de internação para adolescentes que cometem atos infracionais equiparados a crimes hediondos. “Não é razoável você explicar para uma mãe que perdeu uma filha através de estupro e depois foi morta, em que um adolescente (…) não vai ficar, no máximo, 3 anos internado”, defendeu.

Ele também elogiou a composição da mesa, que contará com a “expertise” do vice-presidente, Senador Hamilton Mourão, e a parceria com o relator Alessandro Vieira, a quem chamou de colega com “comprometimento, sobriedade e serenidade”.

Se Contarato focou na justificação filosófica e política da CPI, o relator Alessandro Vieira (MDB-SE), também ex-delegado, foi direto aos aspectos técnicos e práticos.

Questionado sobre um possível diálogo com o ministro Alexandre de Moraes, do STF, que determinou a preservação de provas da operação no Rio, Vieira foi cético. Ele afirmou que o judiciário “não cabe esse papel” de desenhar políticas públicas, algo que compete ao Legislativo e Executivo.

“O parecer vai seguir o plano de trabalho e os requerimentos aprovados. Não tem nenhum requerimento projetivo do ministro Alexandre [de Moraes]”, disparou Vieira, indicando que a CPI buscará seus próprios caminhos.

O relator também tratou de blindar a comissão contra a pecha de ser “chapa branca” (governistas). “Nós estamos convidando e, se necessário, convocando governadores da base do governo federal e governadores que são oposição. Estamos trazendo o ministro da Defesa, o ministro da Justiça”, pontuou.

Para Vieira, a tragédia no Rio de Janeiro, embora chocante pelo número de mortos, não é um fato isolado, mas um sintoma crônico. “A operação realizada no Rio de Janeiro foi mais uma operação”, disse, de forma contundente. “Se você fizer um cálculo aí de quantas mortes em confronto a gente teve no Rio de Janeiro nos últimos cinco anos, acho que deve estar na casa dos 3 a 4 mil, pelo menos.”

O relator garantiu que, apesar do foco inicial no Rio, os trabalhos não se limitarão àquele estado. Ele informou que o plano de trabalho distingue os estados “mais seguros e menos seguros” e que algo entre 9 e 10 governadores já estão na mira para serem ouvidos.

O objetivo, segundo Vieira, é mapear a infiltração do crime “em todas as esferas do Estado” — municípios, estados, União e também nos três poderes. O relator também cutucou o Congresso, lembrando que o debate sobre equiparar certas ações a terrorismo “virou moda agora”, mas que um projeto aprovado pelo Senado em maio de 2023 “está dormindo na Câmara dos Deputados desde aquele momento”.

Enquanto o relator promete um trabalho técnico para municiar os “tomadores de decisão” com informações consistentes, o presidente da CPI, Fabiano Contarato, tenta evitar atritos federativos, pedindo que a “vaidade” dos governadores não atrapalhe a união de esforços.

Diante da inevitável pergunta — “Por que só agora?” —, Contarato recorreu à literatura para explicar o timing do Congresso.

“Eu costumo dizer que tem uma frase de um poeta chamado Vitor Hugo que diz: ‘não há nada mais poderoso do que uma ideia quando o seu tempo chega'”, citou. “Infelizmente, precisou vir tantas operações que vitimou fatalmente inúmeras pessoas para que o Parlamento desse uma resposta. (…) Mas eu espero que agora, não querendo olhar para o retrovisor, nós vamos focar para dar essa apreciação à sociedade.”

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