Após 121 mortes no Rio, o Senado instala a CPI do Crime Organizado e tenta substituir o espetáculo da violência por inteligência
O Senado Federal, em um ato de lucidez tardia mas necessária, instalou a CPI do Crime Organizado sob a sombra de 121 mortes no Rio de Janeiro. Esse número, mais do que uma estatística chocante, é a expressão máxima de um projeto de segurança pública que falhou. Um projeto baseado no confronto, na espetacularização da violência e no abandono social. Contra essa lógica fracassada, ergue-se uma nova voz de comando, vinda justamente de onde a direita populista sempre se julgou dona: a Segurança Pública. E ela vem com a cara e a coragem da esquerda.
A dupla à frente da comissão, Fabiano Contarato (PT-ES) e Alessandro Vieira (MDB-SE), não é composta por teóricos de gabinete ou agitadores de redes sociais. São ex-delegados, homens que conhecem a lama e o sangue do combate ao crime. E é precisamente essa expertise que lhes confere a autoridade para desmontar, com uma frieza devastadora, a narrativa simplista e sangrenta que há anos domina o debate.
Quando o presidente Contarato declara que a CPI não será um “palco de pirotecnia”, ele está lançando um desafio direto ao modelo de gestão da segurança que transforma operações policiais em reality shows de morte. Sua fala é um golpe duro naqueles que, de dentro de seus condomínios fechados, pregam soluções de terra arrasada para as periferias que nunca pisaram.
A esquerda, representada por Contarato, resgata a empatia que a direita perdeu: “É muito cômodo para quem fica nas suas casas, com segurança… tentar julgar aqueles que estão lá, onde o Estado não está presente”. Esta não é uma fala piegas; é um diagnóstico preciso. O crime organizado é, antes de tudo, um sintoma da ausência do Estado — do Estado social, do Estado presente, do Estado que garante direitos.
A crítica da oposição, que aponta o dedo para o fato de o PT não ter assinado o requerimento, revela uma miopia política perigosa. A esquerda governista, diferentemente da oposição irresponsável, tem uma nação para administrar. Suas prioridades são múltiplas: economia, emprego, soberania.
Agora, quando a crise se agudiza, ela não foge à sua responsabilidade. Assume a dianteira com a serenidade de quem sabe que o problema exige mais do que bravatas. A promessa de “total isenção” de Contarato não é uma rendição; é a demonstração de que a esquerda é capaz de elevar o debate acima das disputas mesquinhas, porque compreende que a segurança é um direito do povo, não um tema para gabinete.
O relator Alessandro Vieira complementa essa postura com a precisão de um cirurgião. Ao negar qualquer subserviência ao STF e afirmar que “o judiciário não cabe esse papel” de desenhar políticas públicas, ele defende a força e a autonomia do Legislativo. Esta é uma esquerda que não se curva, mas que também não busca conflitos vazios. É uma esquerda madura, institucional. Sua visão é abrangente e cruelmente realista: a tragédia do Rio não é um caso isolado, mas a ponta de um iceberg de milhares de mortes que se acumulam há anos sob a indiferença geral.
A declaração mais potente de Vieira, no entanto, é o anúncio de que a CPI investigará a infiltração do crime “em todas as esferas do Estado”. Esta é a fronteira que a direita nunca ousou cruzar. Enquanto se limitam a apontar armas para as favelas, a esquerda na CPI mira nos colarinhos brancos, nos financiadores, nos políticos e empresários que se aliam às facções. É a compreensão de que o crime organizado é, também, um câncer na estrutura de poder do país, e que combatê-lo exige coragem para enfrentar os podres do andar de cima.
A esquerda que surge nesta CPI é, portanto, uma esquerda forte. Forte porque é técnica, porque é humana, porque é corajosa. É a esquerda que não tem medo de discutir o aperfeiçoamento de medidas socioeducativas, como fez Contarato, mostrando que cuidado não é sinônimo de leniência. É a esquerda que, como Vieira, cobra a Câmara dos Deputados pela morosidade com projetos cruciais, mostrando que responsabilidade fiscal também se aplica à vida humana.
Esta CPI não nasceu para ser um tribunal midiático. Nasceu para ser um instrumento de reconstrução. É a resposta de uma esquerda que, longe de ser “molenga”, é a única força política com a complexidade intelectual e a profundidade ética necessárias para enfrentar um problema que a direita apenas alimenta com seu discurso de ódio e sua política de morte.
O tempo da pirotecnia acabou. Agora, é a vez da razão, da serenidade e da ação firme daqueles que nunca se esqueceram de que o alvo final de qualquer política de segurança deve ser a vida, e não a estatística mortuária. A guerra é dura, mas a esquerda está, finalmente, pronta para liderá-la com a inteligência e o coração que ela exige.