A nova ofensiva da PF, determinada por Moraes, busca romper o elo entre facções, milícias e o poder público que sustenta décadas de medo no Rio
Em um movimento classificado por especialistas como um dos mais contundentes dos últimos anos contra as raízes do crime organizado, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acionou a Polícia Federal para abrir um inquérito que pretende desvendar a “caixa preta” das relações entre as facções criminosas, as milícias e setores do poder público no estado do Rio de Janeiro. A investigação, determinada nesta quarta-feira (5), não será apenas mais uma operação de repressão, mas uma busca minuciosa para cortar o oxigênio financeiro das organizações criminosas e expor suas conexões com agentes do Estado.
O anúncio foi feito durante uma audiência pública tensa sobre a segurança no Rio, traçando um novo e ousado caminho no combate a um problema crônico. Moraes foi enfático ao declarar que a estratégia passa, necessariamente, por estrangular os recursos das quadrilhas.
Ele afirmou que “o cerco às finanças das quadrilhas é o caminho mais eficaz para enfraquecer sua capacidade de ação e permitir a retomada dos territórios sob domínio criminoso.” A frase ecoa como um novo paradigma em um conflito historicamente marcado pela força bruta, mas com menos atenção aos fluxos de capital que sustentam a guerra.
Os dois pilares da investigação
A Polícia Federal recebeu a missão de atuar em duas frentes consideradas fundamentais para desmontar a arquitetura do crime:
- O rastro do dinheiro sujo: A primeira frente terá como alvo os sofisticados esquemas de lavagem de dinheiro. Investigadores vão perseguir o caminho do capital originado do tráfico de drogas, das extorsões e de outros negócios ilegais, buscando identificar como bilhões de reais são movimentados, camuflados e integrados à economia formal, financiando o poderio bélico e a corrupção.
- As pontes no aparelho de Estado: A segunda, e potencialmente mais explosiva, frente da investigação buscará mapear e comprovar eventuais vínculos entre integrantes do crime organizado e agentes públicos. O objetivo é investigar suspeitas de conluio, proteção institucional e troca de favores que, por anos, teriam permitido a expansão desses grupos.
De acordo com o ministro, a meta central é clara: “atingir a estrutura financeira das facções, essencial para reduzir a violência e retomar áreas dominadas.” É uma estratégia que mira no bolso, entendendo que o poder de fogo nas favelas é sustentado por um fluxo constante de recursos.
Transparência nas ações e um Estado que precisa “ficar”
A determinação do STF, no entanto, não se limitou ao mundo subterrâneo do crime. Preocupado com abusos e para garantir a lisura do próprio Estado, Moraes solicitou à PF as imagens de operações policiais recentes realizadas no Rio.
A medida visa a um controle externo mais rígido, defendendo uma fiscalização preventiva e independente pelo Ministério Público sobre as ações das corporações.
Outro ponto de fragilidade exposto pelo ministro foi a falta de autonomia da Polícia Técnico-Científica, que permanece subordinada à Polícia Civil. “Falta autonomia e estrutura à perícia oficial do Rio”, afirmou Moraes, sinalizando que a credibilidade das investigações criminais pode estar em jogo quando a perícia não tem independência.
Por fim, Moraes lançou um desafio ao governo estadual: a necessidade de um plano concreto que vá além das operações pontuais. Para ele, a segurança pública só se consolidará com uma presença permanente e planejada do Estado nas áreas dominadas pelo crime.
“O Estado deve entrar para ficar. Não há segurança pública duradoura sem ocupar e devolver esses espaços à população”, destacou. É um recado de que, após a PF desmontar as conexões e o fluxo de dinheiro, é essencial que o poder público reassuma seu papel, oferecendo cidadania e paz onde hoje só há medo e poder paralelo.
A investigação que se inicia promete mergulhar nas profundezas de um sistema corrompido, com o potencial de revelar os fios invisíveis que unem o poder econômico do crime às estruturas do Estado. Para uma população cansada de violência e promessas, a esperança é que, ao finalmente abrir essa “caixa preta”, o país dê um passo decisivo para romper um ciclo perverso que há décadas assombra o Rio de Janeiro.
Com informações de Revista Fórum*