O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já com 80 anos, prepara o terreno para Fernando Haddad se tornar seu sucessor político, apostando no protagonista da agenda econômica e social do governo. A presidência está usando o projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais — aprovado pelo Senado, aguardando sanção presidencial — como peça central para a estratégia de comunicação e visibilidade de Haddad.
Haddad, ministro da Fazenda, foi incumbido de percorrer o país para divulgar essa medida, apresentando-se como o rosto que traduz a promessa de campanha de Lula em justiça tributária e em ampliação de oportunidades para as classes médias e baixas. Essa mobilização inclui viagens, eventos públicos e forte presença nas redes sociais, numa tentativa de imprimir um discurso claro: esse governo cobra mais dos ricos para beneficiar os que ganham menos, e Haddad é o símbolo dessa luta.
A medida tem amplo apelo, sendo capaz de produzir um ganho político e econômico visível para milhões de pessoas, ao mesmo tempo em que permite ao governo resgatar a credibilidade e reposicionar Haddad, que havia sido alvo de forte campanha da direita contra suas medidas tributárias mais duras.
No plano institucional, a articulação também é cuidadosa: a sanção será feita em evento público, com a presença de Lula e do presidente do Senado, demonstrando unidade entre o Ministério da Fazenda, Congresso e Planalto. Isso fortalece a percepção de Haddad como interlocutor político-técnico, um perfil valorizado para quem, eventualmente, poderia disputar protagonismo na corrida para o Executivo.
Sua formação prévia também ajuda na construção de um personagem “moderado”, que pode atrair eleitores céticos com a esquerda e o PT. Formado pela USP, ele combina compromisso com políticas redistributivas e política de austeridade e equilíbrio fiscal, se afastando tanto das escolas socialistas quanto do liberalismo ortodoxo. Essa postura inclusive lhe rendeu fama de “tecnocrata progressista” e até o apelido, entre aliados e críticos, de “o mais psdbista dentro do PT”.
Mesmo assim, sua postura conciliadora, muitas vezes distante do embate político mais duro, pode torná-lo uma faca de dois gumes na sucessão de Lula. Por um lado, sua moderação tende a desagradar à esquerda mais ideológica, que cobra posicionamentos mais firmes em temas como reforma agrária, privatizações e política de juros. Por outro, seu nome, mesmo que atrelado à disciplina orçamentária, dificilmente conquistaria o eleitorado mais abertamente de direita, que o enxerga como herdeiro direto do lulismo. Assim, Haddad arrisca ocupar um espaço intermediário incômodo — comedido demais para os radicais e radical demais para os conservadores.
Agora nos resta assistir à recepção pública desse projeto, além de observar a reação da oposição e a capacidade de Haddad em manter seu equilibrismo sem cair da corda bamba.