O cobre, termômetro da economia real, perdeu o pulso

Entre taças e tarifas, o mercado celebra um boom fictício, alimentado pela política de Trump e pela especulação que doura a desigualdade global / Agência Brasil

O metal da transição verde revela um paradoxo cruel — sustentabilidade para poucos, devastação e miséria para o resto do mundo


O cobre — o “Dr. Cobre”, como o mercado o chama — sempre foi visto como um termômetro da economia real. Quando seu preço sobe, diz-se que o mundo está produzindo, construindo, crescendo. Só que desta vez o “doutor” parece estar delirando. Não há expansão industrial real. Não há uma revolução produtiva que justifique tamanha valorização. O que há é um coquetel perigoso de tarifas, manipulação e ganância.

A política como farsa: o “Trumpismo econômico” e a febre do cobre

Donald Trump, ao impor tarifas de 50% sobre as importações de cobre, alumínio e aço, criou um cenário perfeito para a especulação financeira. Em vez de fortalecer a indústria americana — como prometia seu discurso populista —, suas medidas serviram como combustível para uma corrida desenfreada de arbitragem e manipulação de preços.

Os operadores de mercado não estão produzindo cobre, estão produzindo bolhas. Com a diferença entre os preços de Nova York e Londres atingindo níveis históricos, milhões de toneladas do metal foram desviadas para os EUA apenas para lucrar com a diferença de cotação. O resultado? Um “boom” fictício, que beneficia traders e fundos especulativos, enquanto encarece a produção real e ameaça toda a cadeia industrial.

A ironia é brutal: o protecionismo que deveria proteger os trabalhadores americanos termina alimentando a elite financeira global. É o mesmo velho filme — o capitalismo de cassino travestido de política econômica nacionalista.

O luxo dos salões e a miséria das minas

Enquanto os convidados do jantar da LME brindam sob os holofotes de um musical de “Mamma Mia!”, milhares de trabalhadores em minas no Chile, na Indonésia e na República Democrática do Congo enfrentam condições degradantes, respirando poeira tóxica e lidando com o risco constante de deslizamentos fatais. Em setembro, um deslizamento paralisou Grasberg, a segunda maior mina do mundo. O evento, que deveria ser um alerta sobre a precariedade das cadeias produtivas e sobre a exploração desenfreada da natureza, foi tratado nos círculos financeiros como uma “oportunidade de valorização”.

Quando a morte e o desastre se transformam em “fatores de alta” nas bolsas, sabemos que o sistema perdeu qualquer conexão com a realidade humana. A lógica do mercado transforma sofrimento em estatística e catástrofe em lucro.

As mineradoras, que deveriam investir em segurança, sustentabilidade e bem-estar social, preferem ostentar fusões bilionárias e reabrir minas abandonadas, como se a Terra fosse um poço inesgotável. Anglo American e Teck Resources, que celebram uma fusão de US$ 50 bilhões, são o retrato de um capitalismo extrativista que prospera não pela inovação, mas pela especulação.

A falácia da “demanda verde”

Os otimistas falam em “demanda verde” — carros elétricos, turbinas eólicas, data centers de inteligência artificial. A promessa é sedutora: o cobre seria o metal da transição energética. Mas, de novo, o discurso serve mais ao marketing do que à realidade. A suposta explosão da demanda tem se mostrado muito menor do que o esperado. Um carro elétrico novo usa menos cobre que os primeiros modelos, e a economia chinesa — motor histórico do consumo do metal — está em desaceleração.

Enquanto isso, novas tecnologias e materiais estão surgindo para substituir o cobre em várias aplicações. Ou seja, a “escassez” tão anunciada é, em grande medida, um mito alimentado para sustentar preços altos. O mercado vive de narrativas, e a “demanda verde” é apenas a mais recente delas.

A esquerda precisa ser clara: a transição energética não pode ser apenas um pretexto para enriquecer mineradoras e fundos de investimento. O planeta não será salvo pela especulação verde, e sim pela transformação estrutural da economia, com regulação pública, redistribuição de renda e planejamento ambiental.

A financeirização do cobre: o triunfo do capital improdutivo

Os fundos de investimento generalistas — os “turistas” da festa — inundaram o mercado de cobre porque os juros baixos tornaram as commodities atraentes. Esses investidores não ligam para minas, empregos ou meio ambiente. Eles seguem gráficos, algoritmos e expectativas. Para eles, o cobre é apenas mais uma ficha de cassino.

O problema é que, quando o capital especulativo entra, ele também pode sair — e rápido. Se a China mergulhar numa recessão ou se as tarifas de Trump causarem um colapso da demanda, a bolha estoura. E, como sempre, quem pagará a conta serão os trabalhadores, as economias periféricas e os países dependentes da exportação de matérias-primas.

O cobre caro enriquece alguns e empobrece muitos. Encarece a produção de bens essenciais, aumenta a inflação industrial e pressiona orçamentos públicos em nações em desenvolvimento. É a velha transferência de riqueza de baixo para cima — agora tingida de vermelho metálico.

A ressaca que virá

Por enquanto, os brindes continuam. Mas o “Dr. Cobre” está prestes a diagnosticar o que o sistema tenta esconder: o capitalismo global está doente. Uma economia que celebra recordes de preços enquanto ignora a estagnação produtiva e o colapso ambiental não é saudável — é uma farsa sustentada por dívidas, desigualdade e destruição.

O jantar luxuoso da LME é um retrato simbólico de nosso tempo: elites dançando ao som de um musical enquanto o chão da mina desaba. Quando a música parar, não haverá champagne suficiente para afogar a ressaca.

O “boom” do cobre é, em última análise, o espelho de um sistema que vive de bolhas — sejam elas imobiliárias, digitais ou minerais. E, como toda bolha, ela um dia estoura. A questão é: quantas vidas e quantos ecossistemas ainda serão sacrificados antes que o mundo aprenda a ouvir o “Dr. Cobre” não como um sinal de festa, mas como um grito de alerta?

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