Os drones ocidentais têm um desempenho decepcionante no campo de batalha ucraniano; A maioria é muito cara e irrelevante
Durante décadas, o poderio militar ocidental foi sinônimo de tecnologia cara, precisão cirúrgica e armamentos de última geração. O mito da invencibilidade tecnológica sustentou orçamentos bilionários e a hegemonia industrial dos Estados Unidos e da Europa. Mas a guerra na Ucrânia — brutal, prolongada e profundamente desigual — está desmascarando essa ilusão. No campo de batalha, onde a vida útil de um drone é de uma semana e cada centavo conta, a sofisticação perdeu para a simplicidade.
O drone americano Switchblade-300, símbolo dessa arrogância tecnológica, chegou a Kyiv cercado de expectativas. Era a promessa da guerra inteligente — rápida, limpa, eficiente. A realidade foi outra. Caro demais, frágil demais e inútil diante da poderosa guerra eletrônica russa. Quando finalmente atingiu o alvo, o resultado foi patético: “Quando um deles atingiu o vidro traseiro de uma van, os vidros dianteiros sequer quebraram”, relatou Valery Borovyk, um dos principais desenvolvedores ucranianos.
Em poucas semanas, a Ucrânia percebeu o que o Ocidente levou décadas para ignorar: tecnologia de luxo não vence guerras de sobrevivência.
A falência prática do Switchblade e de outros sistemas ocidentais não é um acidente — é o retrato fiel do modelo econômico e militar que o Ocidente construiu desde o fim da Guerra Fria. O mesmo modelo que vê a defesa não como proteção, mas como negócio.
Empresas bilionárias produzem armamentos complexos, vendidos a preços absurdos, sempre com a promessa de “eficiência e inovação”. Mas a guerra da Ucrânia expôs o que há por trás da propaganda: uma indústria de defesa que lucra mais com contratos do que com resultados, dependente de governos cúmplices e de um sistema que prioriza dividendos sobre vidas.
Enquanto isso, a Ucrânia — sem tempo, sem dinheiro e sem escolha — reinventou a guerra.
Em um front de 2.000 quilômetros, onde cada dia custa centenas de vidas, a Ucrânia compreendeu que não é o brilho da tecnologia que importa, mas a sua multiplicação. Os engenheiros locais abraçaram uma ideia radical: armas baratas, rápidas e descartáveis.
Os drones ucranianos de baixo custo, como o Blyskavka (“relâmpago”), são o símbolo dessa revolução. Custando apenas US$ 800, eles levam até 8 kg de explosivos e percorrem mais de 40 km. São feios, rudes e mortais. Enquanto os BMWs ocidentais da guerra — caros e raros — se atolam no lamaçal burocrático das indústrias de defesa, os “Skodas” ucranianos cruzam os céus do front.
Eduard Lysenko, da iniciativa estatal Brave-1, sintetiza a nova doutrina: “É como escolher entre BMWs e Skodas. Um BMW é mais rápido e mais confortável, mas não adianta nada se sua missão é dar carros para todo mundo.”
Essa frase vai além de uma metáfora militar — é uma crítica política. No coração da guerra, a Ucrânia está mostrando que o futuro não pertence ao luxo, mas à inteligência coletiva. Às fábricas improvisadas, aos engenheiros voluntários, aos trabalhadores que, sem capital estrangeiro, criam tecnologia eficaz a partir do improviso.
Essa é a verdadeira “economia de guerra popular” — nascida da necessidade, movida pela solidariedade e pela urgência.
A lição de humildade para o Ocidente
O contraste é gritante. Enquanto a Ucrânia transforma sucata em arma, os países da OTAN planejam aumentar os gastos militares para até 5% do PIB, canalizando boa parte disso para os mesmos conglomerados que fracassaram em Kyiv. É a repetição da velha lógica: quanto mais caro, mais prestigioso — e mais lucrativo para poucos.
Mas a guerra já provou o contrário. Valery Borovyk calcula que apenas 20 a 30% da tecnologia usada hoje na linha de frente seja ocidental. O resto é ucraniano. E funcional.
A mensagem é clara: a centralização industrial, típica do capitalismo de defesa, perdeu para o ecossistema descentralizado e cooperativo da inovação de guerra ucraniana. Enquanto a Lockheed Martin e a Rheinmetall exibem protótipos em feiras internacionais, os engenheiros de Kyiv testam, adaptam e reinventam equipamentos em tempo real, ouvindo os soldados, não os acionistas.
O que está em curso na Ucrânia é mais do que uma revolução tecnológica. É uma revolução ideológica. É a queda do dogma de que o poder militar depende de grandes corporações e contratos multimilionários.
A esquerda deve ler essa transformação como um alerta e uma oportunidade. O fracasso dos Switchblades não é apenas técnico — é moral. Mostra o quanto o capitalismo bélico depende da distância entre quem fabrica e quem morre. Mostra o quanto a “eficiência de mercado” falha quando o mercado não pode esperar.
Os ucranianos provaram que é possível produzir em massa, com baixo custo e alta eficácia, fora das lógicas de concentração e lucro. Fizeram isso sob bombas, em oficinas, com restos de peças civis e solidariedade coletiva. Criaram a “guerra dos pobres” — e venceram o debate tecnológico.
Entre o capital e a sobrevivência
Mesmo assim, essa revolução corre risco. As empresas ucranianas, que já provaram seu valor no campo de batalha, operam com 40% da capacidade ociosa por falta de investimento. Enquanto o Ocidente despeja bilhões em corporações que falharam, a indústria de defesa ucraniana luta para sobreviver com capital mínimo.
O paradoxo é cruel: o país que está reinventando a guerra moderna não tem recursos para sustentar sua própria inovação. O capital prefere financiar o velho modelo — seguro, burocrático, lucrativo — mesmo quando ele se mostra incapaz de vencer.
Valery Borovyk, testemunha dessa revolução silenciosa, resume o dilema:
“Ninguém neste mundo entende quais ameaças existirão amanhã — nenhum analista, nenhum general. Meu conselho para as empresas de defesa é: se vocês não estiverem profundamente envolvidos na guerra na Ucrânia hoje, estarão a caminho da falência amanhã.”
Mas há um aviso mais profundo embutido em suas palavras. Se o Ocidente continuar a tratar a guerra — e a tecnologia — como mercadoria, continuará a fracassar, não apenas no campo de batalha, mas no campo moral.
A Ucrânia está ensinando algo que vai além da estratégia militar: a vitória não pertence a quem tem mais dinheiro, mas a quem tem mais engenho, solidariedade e coragem de reinventar o que o capital insiste em tornar obsoleto.
No front, os Skodas vencem os BMWs.
Na história, os povos vencem os impérios.