A falta de comunicação direta e os choques de estilo tornam cada tentativa de acordo entre Trump e Xi um jogo de pura incerteza
Manipulação, obstrução, exageros e falta de clareza: as negociações comerciais entre os Estados Unidos e a China seguem marcadas por padrões tóxicos que parecem repetir-se indefinidamente. Há meses, os diálogos oscilam entre breves tréguas e escaladas de tensão, ameaçando até mesmo a realização da cúpula entre Donald Trump e Xi Jinping.
Durante o primeiro mandato de Trump, os dois lados contornaram problemas de comunicação por meio do chamado “canal Kushner”, em que seu genro, Jared Kushner, se comunicava diretamente com Cui Tiankai, então embaixador da China em Washington. Apesar de gerar frustração entre autoridades americanas de comércio e segurança, essa via paralela foi fundamental para viabilizar as duas primeiras cúpulas Trump-Xi e, posteriormente, o acordo comercial de “fase um”, assinado em 2020.
Hoje, esse tipo de canal confiável não existe. As negociações oficiais, conduzidas por Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, e pelo vice-primeiro-ministro chinês He Lifeng, estão praticamente estagnadas após quatro rodadas desde maio. Eles enfrentam dificuldade até para concordar sobre os resultados de rodadas anteriores, quanto mais para definir uma agenda para a cúpula bilateral em Pequim. Recentemente, Bessent chegou a criticar publicamente o principal assessor de He, chamando-o de “desequilibrado”.
Apesar de ambos serem experientes — Bessent comandou um grande fundo de hedge e He possui larga experiência administrativa —, nenhum tem histórico sólido de negociações profundas entre os dois países. Falta-lhes, além disso, um entrosamento profissional comparável ao que existia entre Robert Lighthizer e Liu He, nos tempos do primeiro mandato de Trump.
A falta de interlocutores confiáveis
Com Kushner mais ocupado no Oriente Médio, surgiram tentativas de envolver líderes empresariais influentes, como Elon Musk (Tesla), Jensen Huang (Nvidia) e Stephen Schwarzman (Blackstone), para intermediar contatos. Mas nenhum deles tem proximidade suficiente com ambos os lados para servir como canal confiável. A política interna americana ainda dificulta a atuação: defensores de relações mais estáveis com a China frequentemente são rotulados de traidores ou simpatizantes do comunismo, criando barreiras adicionais.
Do lado chinês, a concentração de poder em torno de Xi Jinping e o aumento da vigilância interna tornaram os funcionários mais cautelosos e relutantes em mostrar iniciativa. A recente demissão de dois diplomatas com forte conexão em Washington — Qin Gang e Liu Jianchao — intensificou a preocupação chinesa. O atual embaixador chinês nos EUA não possui os mesmos contatos de seus antecessores, e a aposentadoria de Wang Qishan, ex-vice-presidente, eliminou outro canal valioso para o diálogo com Wall Street e políticos americanos.
Nos EUA, a situação também é complexa. O desmantelamento do Conselho de Segurança Nacional (CSN) durante o governo Trump resultou na escassez de especialistas em China, dificultando a coordenação entre agências. Ao mesmo tempo, não há esforços para replicar canais que funcionaram entre Biden e a China em 2023-2024.
Impulsos contraditórios e o papel das empresas
A incoerência se reflete nas políticas recentes: enquanto o Departamento de Comércio impõe restrições rigorosas à China, a Casa Branca pressiona o país a comprar mais soja e aviões. Internamente, o campo de Trump está dividido entre defensores de uma linha dura e líderes da indústria tecnológica, como Jensen Huang, que atua como intermediário. Huang conseguiu suspender temporariamente restrições à venda de chips de IA da Nvidia para a China, mas declarações mal interpretadas geraram reação negativa, incluindo críticas de figuras como Steve Bannon.
Do lado chinês, a confusão sobre com quem dialogar é evidente. “A equipe Trump 2.0 é mais um clube de lealistas do que uma unidade coesa”, afirmou Da Wei, especialista em relações China-EUA da Universidade Tsinghua, em recente conferência. Segundo ele, até identificar quem fala em nome de Trump é difícil, especialmente entre defensores de políticas rígidas de segurança.
Tentativas de manter canais abertos
Apesar das dificuldades, a China não desistiu de encontrar meios de comunicação alternativos. Cui Tiankai, aposentado desde 2021, foi reativado para tentar contatar aliados próximos a Trump e facilitar diálogos com empresários e representantes governamentais americanos. Ele visitou Washington pelo menos duas vezes este ano, embora os resultados permaneçam pouco claros.
Houve progresso pontual. Em setembro, Bessent e He conseguiram negociar a transferência das operações do TikTok para mãos americanas. Mas o problema maior permanece: as abordagens diplomáticas são profundamente diferentes. Trump aposta em seu próprio “magnetismo e habilidades de negociação” em encontros pessoais com Xi, enquanto o líder chinês valoriza processos estruturados e agendas detalhadas previamente definidas.
Sem reformulação dos canais de comunicação, qualquer acordo mais amplo provavelmente será precário e transitório. A menos que intermediários confiáveis sejam identificados ou que o Departamento do Tesouro utilize de forma mais efetiva sua experiência institucional, os progressos tendem a se restringir a questões menores e transacionais.