A promessa de 100 mil vagas cai diante de uma economia mais fria e de algoritmos que redesenham o perfil do trabalho
A PwC, uma das quatro gigantes globais de auditoria e consultoria, tomou uma decisão que marca uma inflexão em sua estratégia de expansão: abandonou discretamente a meta de contratar 100 mil novos funcionários até meados de 2026. O recuo ocorre em um momento de crescimento mais lento da receita, ajustes internos e transformações provocadas pela ascensão da inteligência artificial.
De acordo com o relatório anual divulgado nesta terça-feira, a PwC encerrou o último ano fiscal com cerca de 365 mil colaboradores, após uma redução de 5.600 postos de trabalho nos 12 meses até 30 de junho. A companhia teria de abrir mais de 30 mil vagas neste exercício para alcançar a meta prometida em 2021 – algo que, na prática, deixou de ser prioridade.
“Continuamos a atingir as nossas metas de investimento e continuamos a contratar”, declarou o presidente global da PwC, Mohamed Kande, ao Financial Times. “Implementámos ferramentas de IA e capacitámos mais de 315.000 pessoas em IA, o que está a aumentar a produtividade dos nossos colaboradores.”
A mudança ocorre em um cenário de desaceleração no crescimento da empresa. A receita global subiu 2,7%, alcançando US$ 57 bilhões, um avanço inferior ao registrado no ano anterior e menor que o das rivais Deloitte e EY, que cresceram 4,8% e 4%, respectivamente, após ajustes cambiais.
O desempenho modesto refletiu-se em todos os segmentos. A área de auditoria teve crescimento de 0,9%, enquanto o setor tributário avançou 2,8%, ambos abaixo da média dos concorrentes. Já o braço de consultoria, que vinha sendo o principal motor de expansão da PwC, apresentou alta de 4,4%, impactada por incertezas geopolíticas e pela desaceleração de investimentos empresariais diante das tensões comerciais globais.
Pela primeira vez desde 2010, após a crise financeira, a PwC encolheu sua força de trabalho. A meta de criar 100 mil novos postos havia sido definida durante o auge da transformação digital provocada pela pandemia de Covid-19 — um período em que empresas de todos os setores correram para modernizar sistemas e adotar soluções tecnológicas.
O plano original, traçado pelo ex-presidente Bob Moritz, também previa US$ 12 bilhões em investimentos em tecnologia, aquisições e capacitação. Essa meta foi atingida com um ano de antecedência, mas o contexto mudou. O boom pós-pandemia cedeu espaço a um ciclo de crescimento mais contido, levando todas as “Big Four” — PwC, Deloitte, EY e KPMG — a reduzir custos e demitir funcionários em várias regiões.
Nos últimos meses, a PwC cortou 1.500 empregos nos Estados Unidos e o mesmo número no Oriente Médio. No Reino Unido, o líder local Marco Amitrano afirmou que a empresa diminuiu a contratação de recém-formados em resposta ao desaquecimento econômico.
Regionalmente, o relatório mostra um cenário desigual: a receita subiu 5,1% nas Américas, mas desacelerou para 3,7% na Europa, Oriente Médio e África, e voltou a cair na Ásia-Pacífico, onde registrou retração de 4,1%. Escândalos recentes na China e na Austrália afetaram diretamente os resultados.
Na Austrália, um sócio da PwC vazou informações confidenciais obtidas em consultorias ao governo, o que provocou uma revisão ampla sobre o papel das empresas de auditoria no setor público. Já na China, a PwC foi envolvida na crise da incorporadora Evergrande, acusada de superestimar receitas — episódio que levou a um endurecimento dos controles internos.
Esses fatores fizeram a PwC encerrar operações em 13 países, principalmente na África, e reduzir sua base global de clientes de 180 mil para 175 mil.
“Estamos focados incansavelmente na qualidade e em ter a carteira de clientes certa”, reforçou Kande. “A qualidade do negócio é tão importante quanto o tamanho do negócio.”
Apesar dos desafios, a PwC segue investindo em automação e na integração de ferramentas de inteligência artificial, o que, segundo a liderança global, vem elevando a eficiência e redesenhando o perfil dos profissionais necessários para o futuro. O recuo na meta de contratações, portanto, reflete não apenas um freio econômico, mas também uma redefinição estratégica em um setor que se transforma rapidamente diante da tecnologia.