Banco Central dos EUA se prepara para encerrar o aperto monetário

Após três anos drenando trilhões, o banco central dos EUA inicia um debate crucial sobre quando e como encerrar o aperto monetário / Reprodução

O aumento na busca por liquidez expõe a tensão no sistema financeiro e pressiona o Federal Reserve a repensar o ritmo de seu programa de enxugamento


O Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, está prestes a encerrar uma das fases mais longas de aperto monetário de sua história recente. Após três anos reduzindo seu gigantesco balanço patrimonial, a instituição deve iniciar nesta semana um debate crucial sobre o fim do chamado Quantitative Tightening (QT) — o processo de enxugamento de liquidez que começou em 2022 e que retirou mais de US$ 2 trilhões em títulos do Tesouro e papéis lastreados em hipotecas do sistema financeiro.

A discussão ocorre em um momento de crescente preocupação com a escassez de recursos nos mercados monetários. Nos últimos dias, bancos recorreram novamente a mecanismos de financiamento emergencial do Fed em níveis que não eram vistos desde o auge da pandemia de Covid-19 — um sinal de que a liquidez pode estar se tornando mais apertada do que o desejável.

As conversas entre os formuladores de política monetária começam oficialmente na próxima terça-feira, e o consenso entre analistas é que o ciclo de aperto está perto do fim. “Rapidamente se tornou quase um consenso que o Fed encerrará o QT este mês”, afirmou Krishna Guha, vice-presidente da consultoria Evercore ISI.

O ex-vice-presidente do Fed e atual economista da Pimco, Rich Clarida, reforçou a avaliação: “É uma decisão difícil. Mesmo que não tenhamos uma decisão formal, teremos um forte indício de que eles encerrarão o programa em dezembro.”

No início do mês, o presidente do banco central, Jay Powell, já havia sinalizado que o QT seria encerrado “nos próximos meses”. Powell também indicou a intenção de cortar novamente a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, o que marcaria o segundo corte consecutivo.

Os mercados financeiros, atentos a esses sinais, já precificam praticamente por completo a expectativa de que a taxa de juros caia para a faixa entre 3,75% e 4% na decisão marcada para quarta-feira. Esse movimento ocorre em meio a indícios de enfraquecimento do mercado de trabalho norte-americano e à redução dos temores de que a guerra comercial travada pelo ex-presidente Donald Trump volte a pressionar a inflação.

De um lado, o QT; do outro, o QE

O QT representa o oposto da política de Quantitative Easing (QE) — ou flexibilização quantitativa — usada pelo Fed durante períodos de crise, como na pandemia e após o colapso do Lehman Brothers, em 2008.

No QE, o banco central compra títulos e ativos financeiros, injetando liquidez na economia e estimulando o crédito. Já no QT, o Fed faz o caminho inverso: permite que os papéis em seu balanço vençam sem serem substituídos, drenando dinheiro do sistema e elevando os custos de financiamento.

Desde o início do atual ciclo, em junho de 2022, o Fed vem reduzindo gradualmente o volume de ativos em carteira. Em abril, diminuiu o ritmo de aperto, reduzindo as vendas mensais de títulos do Tesouro de US$ 25 bilhões para US$ 5 bilhões, enquanto manteve o ritmo de até US$ 35 bilhões em títulos lastreados em hipotecas.

Essa estratégia tem impacto direto sobre os bancos, que acabam com menos reservas disponíveis no Fed e, portanto, ficam mais vulneráveis a oscilações nas taxas de financiamento.

Medo de repetir 2019

Autoridades do banco central já haviam concordado que o programa seria interrompido assim que o sistema bancário norte-americano migrasse de uma condição de “liquidez abundante” para um regime de reservas “amplas” — um ponto de equilíbrio em que há dinheiro suficiente para garantir estabilidade, mas não em excesso.

Ainda que os sinais de estresse generalizado sejam limitados, o uso recente da linha permanente de recompra do Fed de Nova York — uma ferramenta de emergência com taxas superiores às de referência — atingiu níveis semelhantes aos observados durante a crise da Covid-19.

“As evidências dos mercados financeiros indicam que você está muito perto de passar da abundância para a fartura, ou talvez já tenha chegado lá”, avaliou Guha.

Economistas também alertam que o Fed busca evitar um novo episódio como o de setembro de 2019, quando o aperto de liquidez fez as taxas de curto prazo dispararem, gerando pânico nos mercados. “A principal questão que norteia o pensamento do Fed é o receio de um choque de liquidez”, explicou Diane Swonk, economista-chefe da KPMG nos Estados Unidos.

Um balanço ainda gigante

Mesmo com os avanços recentes, o balanço do Fed continua elevado: US$ 6,59 trilhões — mais de US$ 2 trilhões acima do nível pré-pandemia. Antes da crise financeira de 2008, esse número era inferior a US$ 1 trilhão.

Para Swonk, a tarefa de reduzir o balanço não é simples. “Não se pode simplesmente reduzir o saldo do balanço patrimonial com a mesma facilidade com que se pode expandi-lo. Não existe mais o mercado de empréstimos overnight que existia antes da crise financeira”, disse ela.

As políticas de expansão e contração de liquidez do Fed, embora eficazes para evitar colapsos financeiros, têm sido alvo de críticas. O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, chegou a classificar o programa de QE como uma “expansão indevida de objetivos”, argumentando que ele contribuiu para ampliar a desigualdade social — uma acusação rejeitada pelos dirigentes do banco central.

Com a economia dos EUA dando sinais mistos — inflação em desaceleração, mas crescimento moderado e crédito mais restrito —, o fim do QT pode marcar uma virada de página na política monetária americana. O debate que se inicia nesta semana promete definir não apenas o rumo do Fed, mas também o tom dos mercados globais nos próximos meses.

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