A nova alta do petróleo reacende a velha chama da desigualdade: lucros para poucos, inflação para todos e mais um golpe na promessa de um futuro sustentável
Os preços do petróleo voltaram a subir impulsionados pela queda inesperada dos estoques nos Estados Unidos e pelo otimismo do presidente Donald Trump diante das negociações comerciais com a China. À primeira vista, parece apenas mais um movimento do mercado global de energia, regido por dados técnicos, previsões de analistas e acordos diplomáticos. Mas, por trás dos números e das cifras, há uma engrenagem que continua girando em favor dos mesmos: grandes corporações, especuladores e potências econômicas, enquanto os povos seguem pagando a conta — literalmente — nas bombas e no custo de vida.
Segundo dados divulgados pela Administração de Informação de Energia dos EUA (EIA), os estoques de petróleo bruto caíram em quase 7 milhões de barris, uma redução muito superior à previsão inicial de apenas 211 mil. Esse resultado provocou uma reação imediata nos mercados: o Brent subiu 0,81%, chegando a US$ 64,92 por barril, e o West Texas Intermediate (WTI) avançou 0,55%, para US$ 60,48. Até mesmo o mix de exportações mexicanas teve leve alta, alcançando US$ 57,56.
Mas o que esses números realmente significam para a vida cotidiana de quem trabalha e consome? Significam que, mais uma vez, a volatilidade do mercado de petróleo — controlado por um punhado de países e conglomerados — será usada como justificativa para encarecer o transporte, os alimentos e a energia. Enquanto isso, investidores celebram o “bom momento” das commodities e os governos neoliberais, como o dos Estados Unidos, reforçam o mito da “recuperação econômica” que, na prática, concentra riqueza e destrói o planeta.
A própria queda dos estoques é vista pelos analistas do setor como um sinal de “forte demanda”. Giovanni Staunovo, do UBS, declarou que o relatório foi “muito positivo para os preços do petróleo bruto”. A ironia é evidente: o que é “positivo” para o mercado financeiro é, quase sempre, negativo para as populações trabalhadoras. O aumento do preço do barril significa mais lucros para petroleiras e mais custos para os países dependentes da importação, especialmente os do Sul Global, onde o combustível pesa muito mais no orçamento popular.
E, claro, Donald Trump, sempre pronto para transformar qualquer evento econômico em espetáculo político, tratou de vincular a alta à sua diplomacia de ocasião. O presidente norte-americano afirmou estar confiante nas conversas com o presidente chinês Xi Jinping, previstas para ocorrer na Coreia do Sul. Mais uma vez, o petróleo vira moeda de troca na disputa geopolítica entre as potências, enquanto as questões estruturais — a transição energética, a sustentabilidade e a soberania dos países produtores — seguem em segundo plano.
A lógica capitalista que domina o mercado de energia é simples: o petróleo é um bem essencial, mas tratado como mercadoria de luxo. A especulação define preços que não refletem custos de produção nem necessidades sociais, e sim a ganância de um sistema que busca lucros imediatos. Quando os estoques caem, o mercado “reage”; quando sobem, o mercado “corrige”. Em ambas as situações, quem perde é o consumidor comum.
O episódio também expõe a fragilidade do modelo econômico baseado no extrativismo e na dependência de combustíveis fósseis. Enquanto o mundo assiste a conferências sobre o clima e governos prometem metas “verdes”, as decisões que realmente movimentam trilhões continuam a ser tomadas em função do preço do barril. E cada vez que o petróleo sobe, o planeta e os trabalhadores pagam a fatura: mais emissão de carbono, mais pressão inflacionária, mais desigualdade.
Os analistas financeiros perguntam: “Onde está o excesso de oferta?”, como se a questão central fosse técnica. A pergunta correta seria outra: onde está o excesso de ganância?
O colapso ambiental, as guerras por recursos e a desigualdade energética são sintomas de um sistema que insiste em transformar tudo em mercadoria — até o que deveria ser um bem público global.
A alta do petróleo nesta semana é apenas mais um capítulo de uma história antiga: a dos poucos que lucram muito com a energia que todos precisam. Enquanto o planeta arde, os mesmos de sempre enchem os cofres. A solução não virá do otimismo de Trump nem das previsões de mercado, mas da construção de uma economia que priorize a vida, a soberania e o meio ambiente — e não os gráficos das bolsas de valores.