Após décadas de operação, a usina mais icônica do país inicia sua primeira grande renovação — um marco de inovação e confiança entre Brasil e China
Sob o céu dourado de um amanhecer em Foz do Iguaçu, no Paraná, engenheiros brasileiros e chineses trabalham lado a lado entre cabos, torres metálicas e equipamentos de última geração. É nesse cenário que ganha forma a modernização do sistema de transmissão em corrente contínua (CC) da Usina Hidrelétrica de Itaipu — um dos maiores símbolos da energia limpa no Brasil e no mundo.
A poucos quilômetros dali, o rio Paraná segue seu curso imponente na fronteira entre Brasil e Paraguai. Suas águas, que há décadas alimentam as turbinas da usina, continuam sendo a força motriz por trás de uma das maiores produtoras de energia elétrica do planeta. Desde o início de suas operações, Itaipu já gerou mais de 3 trilhões de quilowatts-hora, respondendo por cerca de 10% de toda a energia consumida no país.
Mas o tempo também deixa suas marcas. Após décadas de funcionamento ininterrupto, partes do sistema elétrico começaram a apresentar sinais de desgaste. O alerta veio em 2023, quando um incêndio na estação conversora de Foz do Iguaçu levou a Eletrobras a acelerar um plano de modernização profunda da infraestrutura.
Foi então que nasceu o Projeto de Modernização da Transmissão em Corrente Contínua ±600 kV de Itaipu, iniciado em 2024 e conduzido por uma subsidiária da State Grid Corporation of China, uma das maiores empresas de energia do mundo. A conclusão das obras está prevista para 2026.
Durante a assinatura do acordo complementar, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, destacou a importância estratégica da iniciativa. Segundo ele, o projeto representa um avanço decisivo para o sistema elétrico nacional, garantindo mais segurança energética, redução de custos e modernização tecnológica.
Esta é a primeira grande reforma desde o início das operações de Itaipu, e também o primeiro grande projeto internacional da State Grid voltado à modernização em corrente contínua. A cooperação sino-brasileira marca um novo capítulo na história da usina e reforça o papel do Brasil na transição energética global.
De acordo com Guo Li, gerente de projeto do lado chinês, a parte central da modernização conta inteiramente com tecnologia e equipamentos desenvolvidos na China. O novo sistema funcionará como uma espécie de “rodovia elétrica” mais larga e inteligente, capaz de transportar a energia gerada em Itaipu com maior eficiência até os principais centros consumidores do país.
Já o gerente brasileiro, Jean Marcell Okano, explica que o sistema modernizado trará ganhos significativos de regulação e estabilidade. “O novo modelo vai permitir ajustes mais precisos às variações de demanda e à intermitência das fontes renováveis”, afirma.
Okano, que trabalha com empresas chinesas há mais de uma década, elogia a competência técnica dos parceiros. “Os equipamentos chineses são de altíssimo nível e foram adaptados às condições climáticas do Brasil, o que garante durabilidade e confiabilidade”, ressalta.
Mais de 250 profissionais participam diretamente das obras — entre eles, cerca de 50 chineses e 200 brasileiros. A integração das equipes exigiu soluções criativas e inovadoras. Uma das principais inovações foi o uso da digitalização tridimensional, que permitiu criar uma versão virtual da estação conversora. Com isso, os engenheiros puderam simular etapas de montagem, testar soluções e otimizar o cronograma de execução.
Os procedimentos operacionais também foram adaptados à realidade brasileira: os circuitos de controle foram redesenhados, os cabos receberam codificação por cores e as zonas de acesso e responsabilidade foram claramente delimitadas. Tudo isso para garantir mais segurança e eficiência nas operações conjuntas.
Mesmo com a barreira do idioma, a cooperação entre as equipes flui com naturalidade. O técnico de planejamento José Wallesson Corrêa Sancho elogia a parceria: “A equipe chinesa é muito experiente e sempre encontra soluções rápidas e práticas para qualquer imprevisto”.
Para Okano, a experiência vai além da modernização de uma usina. Ele acredita que a parceria Brasil-China no setor elétrico é um exemplo inspirador de como países em desenvolvimento podem unir forças em prol da sustentabilidade. “Essa colaboração mostra ao mundo que é possível impulsionar o uso de energias renováveis em larga escala e avançar juntos rumo à neutralidade de carbono”, destaca.
Entre cabos, aço e tecnologia de ponta, Itaipu se reinventa. A usina que transformou o rio Paraná em símbolo de energia limpa dá agora mais um passo histórico — desta vez, rumo a um futuro ainda mais eficiente, seguro e sustentável.