Inspirada na SEC americana, a nova ESMA quer controlar criptomoedas, câmaras de compensação e plataformas de negociação consideradas vitais
A União Europeia está prestes a promover uma das maiores reformas em sua estrutura de supervisão financeira desde a crise de 2008. Um plano preliminar divulgado por autoridades europeias revela que o bloco pretende ampliar de forma significativa os poderes da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), permitindo que o órgão exerça uma supervisão direta sobre câmaras de compensação, depositários, plataformas de negociação “significativas” e empresas de criptomoedas. O anúncio oficial das propostas deve ocorrer no próximo mês.
Criada há quase 15 anos como resposta às falhas regulatórias expostas pela crise financeira global, a ESMA nasceu com o objetivo de coordenar os supervisores nacionais e definir padrões comuns, sem exercer o mesmo tipo de fiscalização ampla que caracteriza órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC).
Agora, porém, a Comissão Europeia quer transformar o papel da agência, dando-lhe autoridade centralizada sobre segmentos considerados estratégicos para a estabilidade e integração dos mercados financeiros do bloco.
O documento de trabalho que fundamenta a proposta também prevê a criação de um conselho executivo independente, encarregado de monitorar a nova estrutura da ESMA e garantir transparência e eficiência nas decisões do órgão reformulado.
Segundo a Comissão Europeia, o fortalecimento da ESMA faz parte de um esforço mais amplo para facilitar a circulação de capital entre os países da UE, impulsionando investimentos e estimulando o crescimento econômico.
A ideia é criar um ambiente mais integrado, onde as empresas possam atuar além das fronteiras nacionais sem enfrentar barreiras regulatórias fragmentadas.
Entre as principais medidas previstas está a criação do estatuto de Operador de Mercado Pan-Europeu (PEMO), que permitirá às empresas operar em toda a União Europeia com uma única autorização. Além disso, a ESMA passará a ter poderes diretos de supervisão sobre empresas de criptomoedas, um setor em rápida expansão e que tem despertado crescente preocupação entre reguladores globais.
O documento também propõe que a autoridade europeia assuma o controle sobre contrapartes centrais de compensação “significativas”, depositários centrais de valores mobiliários, plataformas de negociação e PEMOs, enquanto as empresas de menor porte continuariam sob a responsabilidade das autoridades nacionais.
Outro ponto central das propostas é o reforço da harmonização entre os supervisores nacionais. A ESMA ganharia o poder de revisar previamente novas aprovações concedidas por reguladores locais em casos onde tenha sido identificada uma “falha de supervisão”.
Além disso, o plano pretende reduzir a margem de discricionariedade dos países-membros, transferindo partes das regras atualmente definidas por diretivas para um formato de regulamentação diretamente aplicável, garantindo assim maior uniformidade dentro do bloco.
Apesar de o projeto ainda estar em fase inicial, ele já desperta reações divergentes entre os Estados-Membros. Enquanto França e instituições da UE defendem com entusiasmo a centralização da supervisão, outros países demonstram resistência em ceder poderes nacionais. O setor privado também expressa preocupação com a possibilidade de surgirem novas camadas de burocracia e custos adicionais de conformidade.
As propostas ainda precisam ser avaliadas e aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, o que pode gerar ajustes e negociações intensas nos próximos meses. A Comissão Europeia, por enquanto, preferiu não comentar oficialmente o conteúdo do documento.
Se aprovadas, as mudanças marcarão um novo capítulo na integração financeira da União Europeia, aproximando o modelo regulatório europeu do norte-americano e sinalizando uma tentativa clara de tornar o mercado único mais coeso, competitivo e resiliente diante dos desafios econômicos e tecnológicos globais.