Belém lida com apagões, insegurança e improviso

Enquanto o governo promete liderança climática, Belém lida com apagões, insegurança e improviso que ameaçam a imagem do país na COP30 / Bloomberg

A promessa de um evento simbólico na Amazônia se converteu em espelho das falhas estruturais que o discurso oficial tenta ocultar


A imagem que o Brasil pretende projetar ao mundo durante a COP30, em Belém, está seriamente ameaçada. Não pela floresta, que permanece de pé como testemunha silenciosa, mas pela incapacidade do poder público de garantir o básico: segurança, infraestrutura e dignidade para os milhares de participantes deste evento crucial. Um duro alerta da ONU ao governo Lula, obtido pela imprensa, expõe uma fratura preocupante entre a ambição do discurso e a precariedade da execução.

A carta do secretário-executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell, é um documento que deveria envergonhar a administração federal. Ela vai além de apontar desconfortos logísticos, comuns em eventos de grande porte. Ela revela uma falha sistêmica e grave na gestão do evento.

A crítica mais contundente recai sobre a segurança, ou melhor, sobre a sua ausência. O episódio em que cerca de 150 manifestantes invadiram a área restrita, danificando instalações e ferindo seguranças, seria, por si só, grave. O inaceitável, no entanto, foi a inação das forças de segurança presentes no local.

A sugestão de que o gabinete do presidente Lula poderia ter orientado a Polícia Federal a não intervir – se confirmada – é de uma gravidade ímpar. Representa uma leitura política equivocada e perigosa que coloca em risco a integridade física dos participantes e viola diretamente os protocolos internacionais assumidos pelo país.

Um governo que se apresenta como a âncora da ordem democrática não pode, em nome de qualquer cálculo, falhar no seu dever primordial de garantir a segurança de uma conferência da qual é anfitrião.

Esta falha de segurança não é um ponto isolado; é a face mais aguda de um colapso administrativo mais amplo. As queixas sobre o calor sufocante, o ar-condicionado falho, as infiltrações que representam risco elétrico, a falta de água e os pavilhões inacabados pintam um quadro de despreparo que beira a negligência.

São problemas que afetam diretamente a saúde e o bem-estar de todos, mas que atingem com mais força as delegações de países pequenos e em desenvolvimento, historicamente menos equipadas para lidar com adversidades. Mais uma vez, a assimetria global se reproduz no microcosmo da COP, prejudicando o equilíbrio das negociações.

Há uma ironia amarga nessa situação. Lula insistiu em sediar a COP30 na Amazônia, rejeitando cidades com infraestrutura consolidada, com o argumento nobre de mostrar ao mundo a realidade da floresta e das mudanças climáticas. No entanto, a realidade que se impõe é a de um Estado que, historicamente, negligenciou a região Norte.

A escolha de Belém como palco era simbólica e poderosa, mas esbarrou na falta de investimentos crônicos em logística, saneamento, hotelaria e segurança pública. O discurso progressista de levar o evento para o coração da Amazônia esfacela-se ante a incapacidade de fornecer água potável nos banheiros.

O risco, agora, é que o legado da COP30 não seja o do protagonismo brasileiro na agenda climática, mas o do constrangimento diplomático. A pressão internacional é justa e necessária. O governo federal não pode tratar isso como mera rusga de percurso. É urgente que apresente um plano de ação convincente e o execute com transparência, recuperando a confiança da ONU e da comunidade internacional.

Belém, cidade-porta de entrada da Amazônia, merecia mais. A luta contra as mudanças climáticas, que é essencialmente uma luta por justiça social e ambiental, merecia mais. Cabe ao governo Lula corrigir rotas imediatamente, provando que a defesa da Amazônia e de seu povo começa com a capacidade de gerir com competência e seriedade um evento que deveria ser um marco, e não um alerta vermelho sobre nossas próprias contradições.

Com informações de Bloomberg*

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