Eleição presidencial é ‘tira-teima’ entre direita e esquerda no Chile

Johan Ordonez/AFP

O Chile ainda vive consequências da revolta social de 2019, conhecida como Estallido

A sucessão do presidente Gabriel Boric, que começa neste domingo (16) com o primeiro turno das eleições gerais é uma espécie de tira-teima entre a direita e a esquerda no Chile, que travam uma forte disputa pelo comando político do país desde 2019, de acordo com analistas. Pesquisas indicam que a esquerdista Jeannette Jara lidera com 33,2% das intenções de voto, na frente de dois candidatos da extrema direita José Antonio Kast e Johannes Kaiser, que estão empatados com 16, 8% dos votos, segundo estudo da Atlas/Intel.

O Chile ainda vive consequências da revolta social de outubro de 2019, conhecida como Estallido, que tomou as ruas e foi respondida com repressão estatal, com um saldo de 32 manifestantes mortos e 3,4 mil feridos. De viés esquerdista e exigindo reformas sociais em um primeiro momento, os protestos foram capitalizados pela direita chilena, que conseguiu capitalizar o sentimento de desconfiança e frustração, apresentando-se como defensora da ordem e da segurança.

Vencedor do pleito após Estallido, o esquerdista Boric tentou logo em seu primeiro ano de governo emplacar uma reforma constitucional para aposentar a carta anterior, que remonta dos tempos da ditadura Pinochet (1973 – 89). O plebiscito, no entanto, rejeitou a proposta, que trazia direitos sociais amplos e proteções ambientais significativas, por ser muito progressista.

“Creio que a esquerda superestimou sua força e perdeu o momento favorável pós estallido”, disse ao Brasil de Fato José Maurício Domingues, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos e analista político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Ele diz achar que à época do primeiro plebiscito, “a esquerda não se deu conta de voto obrigatório [na consulta de 22] traria para o jogo um eleitorado que não havia votado por Boric. Uma coisa são as ruas, outra o sistema político formal.”

“Mas a direita também se equivocou”, prossegue Domingues, se referindo à outra proposta de constituição, mais reacionária ainda que a vigente, que também foi rejeitada no ano seguinter, em 2023.

“De certa forma essa eleição é um tira-teima, mas não em sentido absoluto. O controle do congresso vai ser muito importante também.”

Jeannette Jara, da coligação Unidad por Chile; José Antonio Kast, do Partido Republicano; Evelyn Matthei, da União Democrática Independente; Franco Parisi, do Partido Popular; e Johannes Kaiser, do Partido Libertário Nacional | Rodrigo Arangua and Raul Bravo/AFP

Imigração e crime

Além do próximo presidente, as eleições deste ano também renovam o Legislativo chileno. Pesquisas mostram que a criminalidade é o tema que mais preocupa o eleitorado do país. Um estudo realizado pela Ipsos em 30 países em outubro coloca o Chile como o segundo país mais preocupado com a questão, com 63% da população afirmando que melhorar a segurança é a principal tarefa do próximo presidente.

Apesar de ser um dos países mais seguros da América Latina, a criminalidade apresenta um aumento rápido. O número de homicídios dobrou e os sequestros têm alta histórica, o que explica por que o tema foi dos mais abordados – ao lado de combater a imigração ilegal – por todos os candidatos, inclusive a comunista Jara, em uma postura rara do campo progressista.

“O controle imigratório de fato questiona posições tradicionais da esquerda, com a defesa dos direitos de ir de todos e a hospitalidade que o próprio pensamento liberal originalmente defendia. Mas não se pode esquecer que a soberania popular no fim das contas define quem habita um determinado país. Há sempre uma tensão entre esses dois vetores”, diz Domingues.

“Já no caso da segurança, já passou da hora de a esquerda latino-americana entender que este é um tema que aflige a todos. Obviamente, embora trate dessa questão, as posições de Jara são muito diferentes das dos candidatos da direita.”

Mas, mesmo liderando no primeiro turno, a pesquisa Atlas Intel indica que Jara perderia um eventual segundo turno (marcado para dezembro) para os principais adversários de direita e extrema direita caso o pleito ocorresse no início de novembro.

O analista da UERJ diz que ela é certamente atrapalhada pelo anti-comunismo que existe no país, mas “talvez não seja uma barreira intransponível quando houver uma unidade da direita no segundo turno e ficar claro que ela é uma opção confiável para a democracia”.

Sobre seus concorrentes, ele diz que “Katz era o candidato da direita dura, porém ao menos aparentemente civilizada. Kaiser vem correndo pela extrema direita e pode, por parecer mais antissistema, ultrapassar seu concorrente nesse lado do campo. Essa é uma tendência global.”

Publicado originalmente pelo Brasil de Fato em 14/11/2025

Por Rodrigo Durão – São Paulo (SP)

Edição: Nathallia Fonseca

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