Governo Trump reconhece o fracasso das tarifas

A promessa de força virou fragilidade: após erguer muros tarifários, o governo Trump agora tenta contornar o caos que ajudou a cozinhar / Reprodução

O recuo da Casa Branca diante da alta dos alimentos é mais que pragmatismo — é o reconhecimento amargo de que o protecionismo cobra caro


A notícia de que a Casa Branca de Donald Trump considera reduzir tarifas sobre alimentos para conter a alta de preços é, acima de tudo, uma admissão tácita de um erro crasso. É o reconhecimento, ainda que velado, de que uma política econômica baseada no nacionalismo comercial agressivo e no isolamento tem um custo real e doloroso: o prato de comida do cidadão comum. A medida, apresentada como um alívio para os bolsos dos americanos, é na verdade um remendo em uma estratégia furada, uma correção de rota forçada pela pressão popular e por derrotas eleitorais.

A narrativa construída pela administração Trump é a de um governo pragmático, ágil para “ajustar” o curso quando necessário, como disse o conselheiro económico Kevin Hassett. No entanto, este pragmatismo de ocasião não pode esconder a origem do problema. Foi o próprio governo que, em agosto, impôs as tarifas mais amplas desde a Segunda Guerra Mundial, elevando o custo de importação de uma gama colossal de produtos.

A promessa era de fortalecer a indústria nacional e reequilibrar as relações comerciais. O resultado, previsível para qualquer economista que olhe para além do dogma, foi a transferência de custos para o consumidor, inflacionando justamente os itens mais sensíveis do orçamento familiar: os alimentos.

Kevin Hassett, presidente do Conselho Econômico Nacional, afirmou que a inflação estava caminhando na direção certa, mas reconheceu que os preços dos alimentos subiram ainda mais durante a presidência de Trump / Bloomberg

Agora, quando as consequências eleitorais bateram à porta após derrotas em municípios e estados, o governo se apressa em desenhar uma saída. A ironia é amarga: a mesma Casa Branca que erigiu barreiras comerciais como um dogma agora se vê obrigada a derrubá-las parcialmente para evitar o descontentamento popular. É uma confissão de que a guerra comercial, longe de ser um jogo de soma positiva, criou perdedores concretos dentro de casa.

O contorcionismo narrativo é evidente. De um lado, Hassett tenta culpar a herança de Biden pelo nível absoluto dos preços, um argumento que, mesmo com seus grãos de verdade, ignora solenemente o impacto das tarifas atuais sobre a inflação presente.

Do outro, o anúncio de um “dividendo” de US$ 2.000 proveniente da arrecadação tarifária soa como um paliativo eleitoreiro e economicamente ingénuo. É devolver com uma mão uma migalha do que foi tomado com as duas, através de preços mais altos no supermercado.

É uma política de welfare financiada por um imposto regressivo disfarçado, que penaliza justamente os mais pobres, que gastam uma proporção maior do seu rendimento em bens essenciais.

Sob uma lente progressista, este episódio é um estudo de caso sobre os perigos de uma política económica que privilegia a retórica nacionalista sobre o bem-estar material da população. A obsessão com tarifas como ferramenta de poder geopolítico mostrou-se um tiro pela culatra, corroendo o poder de compra das famílias e forçando o governo a recuar para conter a própria fúria inflacionária que ajudou a criar.

A possível redução de tarifas para alimentos é, portanto, uma vitória da necessidade sobre a ideologia. Mas é uma vitória pequena e tardia. Ela não redime uma política comercial errática e prejudicial; apenas a expõe como tal.

Revela uma administração que age por reação, não por planeamento, e que só se curva à evidência dos factos quando estes se traduzem em derrotas nas urnas.

Para as famílias que há meses enfrentam a conta do supermercado mais cara, a mudança é bem-vinda, mas a lição que fica é clara: as aventuras protecionistas, por mais que embaladas em discursos de grandeza nacional, têm um preço. E quem paga a conta é sempre o mesmo.

Com informações de Financial Times*

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