O Chile realiza neste domingo (16) o primeiro turno da eleição presidencial, em um ambiente marcado pela crescente preocupação com a segurança pública. O aumento da criminalidade — hoje a principal inquietação dos eleitores, superando temas como economia, saúde e educação — redefiniu o debate político no país. Embora a esquerda lidere as pesquisas nesta etapa inicial, os levantamentos apontam que a direita tem mais chances de vencer o segundo turno, programado para 14 de dezembro.
O presidente Gabriel Boric, de esquerda, apoia a candidatura de Jeannette Jara, ex-ministra do seu governo e integrante do Partido Comunista. Ela aparece na dianteira das sondagens, com cerca de 30% das intenções de voto. Em seguida vem José Antonio Kast, representante da extrema direita pelo Partido Republicano, com pouco mais de 20%. A disputa pelo terceiro lugar está acirrada entre três nomes do campo conservador: Johannes Kaiser, Evelyn Matthei e Franco Parisi. Apesar da liderança inicial de Jara, as pesquisas indicam que ela seria superada em um eventual segundo turno.
A mudança no clima político contrasta com a eleição de 2021, quando Boric venceu embalado por mobilizações contra a desigualdade e pela expectativa de uma nova Constituição — processo que acabou não avançando. Quatro anos depois, o foco da população é outro: a criminalidade disparou e tornou-se o assunto dominante. A taxa de homicídios, por exemplo, passou de 2,3 por 100 mil habitantes em 2015 para 6,0 em 2024. Casos de sequestro também bateram recorde no ano passado, ultrapassando 860 registros.
Um dos fatores que alimentam o debate é a forte onda migratória. Quase 700 mil venezuelanos vivem hoje no Chile, após deixarem seu país em meio à crise sob o governo de Nicolás Maduro. Parte dos chilenos associa esse aumento da imigração ao avanço da violência. Segundo a socióloga Lucia Dammert, da Universidade de Santiago, a combinação entre maior criminalidade e fluxo migratório criou um “duplo choque” para o país: “Ainda não nos recuperamos desses choques”, afirmou. “E isso se reflete fortemente no debate político, que não conseguiu superá-los e acabou se alimentando desses problemas.”
As propostas dos candidatos refletem essa pressão. Kast defende a expulsão de todos os imigrantes sem documentação e quer implementar o chamado “Escudo da Fronteira”, que inclui um muro de 5 metros, trincheiras de 3 metros e cercas elétricas na fronteira norte. Jara, por sua vez, propõe revogar o sigilo bancário de suspeitos para rastrear recursos ilícitos e atingir as bases financeiras das organizações criminosas.
Além da pauta de segurança, Jara também defende políticas como a criação de um salário mínimo, a fixação de preços máximos para medicamentos e o estabelecimento da Empresa Nacional de Lítio. Kast aposta em limitar a imigração, reduzir gastos públicos e ampliar parcerias com o setor privado em áreas como saúde e educação.
A crise do crime organizado é especialmente visível no norte do país, que faz fronteira com Peru e Bolívia — ambos grandes produtores de drogas. A região só passou a atrair organizações criminosas internacionais após o fluxo migratório aumentar. O ex-procurador-chefe de Tarapacá, Raul Arancibia, relata que ouviu falar pela primeira vez do grupo venezuelano “Tren de Aragua” em 2021, quando duas mulheres foram detidas ao tentar entrar no Chile com drogas. Classificada como organização terrorista pelos Estados Unidos, a gangue se expandiu e levou à disseminação de práticas como extorsão e assassinatos encomendados. “Nem mesmo os criminosos chilenos estavam acostumados com esse tipo de violência, então tiveram que se adaptar”, afirmou Arancibia.
Arancibia diz ter alertado autoridades sobre a situação ainda em 2021, mas afirma que suas advertências não foram atendidas. Quando Boric assumiu, no ano seguinte, os homicídios alcançaram o nível mais alto em anos. Em resposta, o governo ampliou o orçamento da polícia, aprovou novas legislações, formou grupos de combate ao crime organizado e reforçou o controle de fronteira com apoio das Forças Armadas. O governo afirma ter detido centenas de integrantes do Tren de Aragua, mantendo o grupo sob pressão. Para Dammert, no entanto, focar apenas na fronteira e no crime internacional pode desviar a atenção das raízes internas do problema.
Assim, o primeiro turno deste domingo ocorre em meio a uma sociedade inquieta, dividida entre visões distintas sobre como enfrentar uma crise que transformou o cenário político chileno e que promete ser decisiva na escolha do próximo presidente.