Indicação de Derrite para relatoria do projeto Antifacção quebra confiança de Lula em Motta

A nomeação do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), secretário de Segurança Pública licenciado do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), para relatar o projeto de lei Antifacção acentuou a insatisfação do Palácio do Planalto com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). A escolha provocou novo desgaste entre os Poderes e intensificou questionamentos internos sobre a condução política da agenda de segurança pública no Legislativo.

Segundo o jornal O Globo, a indicação de Derrite incomodou diretamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Integrantes do governo avaliam que a escolha desmonta meses de trabalho técnico conduzido pelo Executivo e reforça a percepção de perda de alinhamento com o comando da Câmara.

Planalto vê esvaziamento de proposta elaborada pelo governo

Aliados do presidente relatam que Lula demonstrou irritação ao considerar que o texto proposto pela equipe do governo perdeu protagonismo após alterações apresentadas pelo relator. Derrite, que possui trajetória marcada por sua atuação na área de segurança pública em São Paulo, tornou-se o centro do atrito.

Hugo Motta, por sua vez, argumenta que exerce sua prerrogativa regimental ao definir relatores e afirma que Derrite tem experiência prática por ter chefiado a segurança pública em um dos maiores estados do país. Procurado, o presidente da Câmara não comentou as críticas.

Integrantes do governo classificaram a indicação como um gesto desrespeitoso de Motta. A avaliação dentro do Planalto é de que a escolha reflete o alinhamento político entre o presidente da Câmara e o governador Tarcísio de Freitas, apontado por petistas como possível nome competitivo para a disputa presidencial de 2026.

Reações no Congresso e críticas de parlamentares do PT

O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), manifestou forte inconformidade com a decisão. Para ele, “é um direito dele (Motta) escolher o relator, mas escolher o Derrite para um projeto trabalhado há seis meses pelo governo, eu continuo não achando correto. E mais: ainda há improvisação, um quarto relatório, um ataque à Polícia Federal”.

A tensão acrescenta mais um episódio à série de conflitos recentes entre Executivo e Legislativo. Em 25 de junho, Motta levou ao plenário, durante a madrugada, a votação que derrubou o decreto que elevava o IOF — medida considerada essencial pelo governo para o equilíbrio fiscal. O Planalto alegou ruptura de um acordo prévio, o que ampliou o desgaste. Após a derrota, o presidente da Câmara passou a ser alvo de ataques de perfis de esquerda nas redes sociais, que o acusavam de atuar contra interesses do governo.

Apesar do acúmulo de atritos, auxiliares presidenciais avaliam que não há espaço para ruptura institucional. O governo depende do apoio de Motta para avançar em votações estratégicas, enquanto o presidente da Câmara depende do Executivo para a liberação de emendas e articulações políticas.

Tentativas de contenção da crise e críticas à condução política

Antes de anunciar oficialmente a escolha de Derrite, Motta comunicou a decisão à ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT). Durante a conversa, a ministra pediu ao presidente da Câmara que reconsiderasse a nomeação, alertando que a escolha contaminaria o debate sobre o projeto Antifacção — considerado peça central da resposta do governo à crise de segurança intensificada após a operação policial de 28 de outubro no Rio de Janeiro, que resultou em 121 mortes.

Após a circulação do relatório preliminar, Gleisi voltou a procurar Motta para manifestar insatisfação e solicitar uma reunião. O encontro não ocorreu, e a relação se deteriorou ainda mais após declarações públicas da ministra em entrevista.

Dentro do governo, a avaliação é de que Motta, aos 36 anos, ainda demonstra pouca maturidade para administrar pressões inerentes ao cargo. Petistas lembram que o presidente da Câmara vinha se aproximando do Executivo nos últimos meses, o que lhe rendeu críticas da base bolsonarista, mas destacam que ele também adotou movimentos considerados hostis, como pautar a votação que suspendeu ação penal contra o deputado Gustavo Gayer (PL-GO), mesmo após ofensas do parlamentar contra Gleisi em março.

Dependências políticas e movimentações de bastidor

Integrantes do PT observam que Motta poderá depender do apoio de Lula para viabilizar a candidatura de seu pai, Nabor Wanderley, ao Senado. O episódio reacendeu lembranças do apoio petista à eleição de Motta para a presidência da Câmara, articulação que contou com incentivo do ex-presidente da Casa Arthur Lira (PP-AL).

Apesar das divergências acumuladas, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), tenta conduzir esforços de pacificação. “Estou mediando. Tenho falado direto com ele para não deixar a corda se quebrar”, afirmou.

A crise, contudo, permanece aberta e deve influenciar as próximas etapas da tramitação do projeto Antifacção, cuja votação se tornou central na disputa por protagonismo entre Executivo e Legislativo na condução da agenda de segurança pública.

Redação:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.