A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou nesta terça-feira (18) que o relatório do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) sobre o projeto que trata do enfrentamento às facções criminosas representa um retrocesso e prejudica o trabalho da Polícia Federal. Segundo ela, a orientação do governo Lula é rejeitar integralmente a versão apresentada pelo relator e apoiar o texto encaminhado pelo Executivo.
As declarações, feitas após o cancelamento de uma reunião prevista com Derrite e com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ampliam o impasse entre governo e Congresso sobre a proposta.
Governo diz que relatório foi conduzido de forma “açodada”
Gleisi classificou o processo de tramitação como problemático desde o início. Para a ministra, o governo considera o desfecho legislativo “muito ruim pela forma como ele foi conduzido e pelo resultado do relatório apresentado pelo relator”.
Ela afirmou ainda: “Foi de maneira açodada essa apropriação do projeto, e consideramos que isso vai dificultar muito a aplicação da lei penal. Isso já era um ponto que nós colocávamos desde o início”.
A ministra direcionou críticas diretas ao texto final de Derrite, chamando-o de “essa lambança legislativa de apresentar seis versões do relatório e chegar agora com essa versão que não muda a estrutura que ele apresentou desde o início”.
Governo vê benefício às facções e riscos de conflitos legais
Segundo Gleisi, o conteúdo aprovado pelo relator beneficiaria organizações criminosas ao criar sobreposições e conflitos com legislações já vigentes. Em sua avaliação, a proposta tende a comprometer o enfrentamento ao crime organizado porque institui uma lei paralela, sem revogar dispositivos que pretende alterar.
“O fato de ser uma lei autônoma vai dar muita confusão. Ele faz uma série de alterações na legislação sem fazer a revogação das legislações (já existentes e) que ele altera. Isso vai dar conflito legislativo e o que vai acontecer é que vai prevalecer a lei mais branda para a facção criminosa. Nós vamos ter problemas para combater as facções criminosas”, declarou.
A ministra argumenta que o substitutivo apresentado por Derrite cria lacunas jurídicas que podem enfraquecer mecanismos de investigação e punição já consolidados, prejudicando o trabalho da Polícia Federal e do Ministério da Justiça no combate às facções.
Falta de diálogo e reunião cancelada ampliam desgaste
Gleisi relatou ainda que o governo tentou dialogar com o relator antes da apresentação da versão final do texto. Estava prevista uma reunião na manhã desta terça-feira entre ela, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, Hugo Motta e o próprio Derrite. Segundo a ministra, o encontro foi cancelado porque o relator “não queria conversar com o governo”.
A postura é vista pelo Planalto como um sinal de ruptura de diálogo e de dificuldade de articulação com a Câmara em uma pauta considerada estratégica. O cancelamento intensificou a crise política que já vinha se agravando após divergências entre Executivo e Legislativo em outros temas, como a votação do IOF e a condução do projeto Antifacção.
Proposta divide Congresso e tensiona relação entre Poderes
As críticas da ministra adicionam mais tensão ao debate sobre a legislação voltada ao enfrentamento às facções criminosas. O Planalto tem afirmado publicamente que o projeto em discussão deveria priorizar o texto original elaborado pelo Ministério da Justiça, que passou por etapas de análise técnica envolvendo Polícia Federal, especialistas e órgãos de segurança.
Derrite, porém, adotou uma abordagem alinhada a setores mais conservadores da Câmara, propondo mudanças que, segundo o governo, não dialogam com a política nacional de combate ao crime organizado. O relator defende que seu texto reforça a repressão às facções e cria instrumentos mais duros de punição.
O impasse entre as duas versões aumenta a pressão sobre o presidente da Câmara, Hugo Motta, cuja relação com o governo tem sido marcada por sucessivos atritos. Petistas criticam a escolha de Derrite como relator e afirmam que a decisão desconsiderou meses de trabalho técnico do Executivo.
Próximos passos e cenário no Congresso
A proposta segue em análise no Congresso e deve ser objeto de novas rodadas de negociação. O governo tenta construir maioria para rejeitar o substitutivo apresentado por Derrite e retomar o texto original. No entanto, parlamentares alinhados ao relator afirmam que pretendem defender sua versão em plenário.
A tendência é que a disputa sobre o projeto se torne um dos principais pontos de tensão entre governo e Câmara nas próximas semanas. A proposta é vista como central pela gestão Lula, especialmente após operações policiais de grande impacto, como a realizada no Rio de Janeiro em 28 de outubro, que resultou em 121 mortes.
Com críticas públicas, divergências técnicas e acusações de falta de diálogo, o debate sobre o projeto das facções criminosas se consolida como mais um capítulo da disputa política entre Executivo e Legislativo.